quarta-feira, 12 de março de 2008

Samba Valente de Assis

Abro o jornal O Globo e na penúltima página do Segundo Caderno, onde sempre se encontra a coluna de efemérides "Há 50 anos", eis que me deparo com o título: E o mundo se acabou para Assis Valente.

A nova geração nem de longe deve saber de quem se trata. Eu explico: nascido em 1911 em Santo Amaro (BA), a partir dos anos 30 tornou-se compositor, incentivado por Heitor dos Prazeres, fundador da Imperatriz Leopoldinense. Sua primeira música de sucesso foi "Tem Francesa no Morro", em 1932. No ano seguinte, compôs as marchas "Cai Cai Balão" - é aquela mesma... Cai cai balão... cai cai balão... aqui na minha mão - e "Goodbye boy".

Não foi só isso: Orlando Silva e Carmen Miranda passaram a gravar suas músicas, tornando-o popular naquele tempo. "Camisa Listrada"(Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí...), gravada por Marlene e composta em 1937, é um dos seus maiores clássicos. Tanto quanto "Boas Festas" (Já faz tempo que eu pedi... Mas o meu Papai Noel não vem... Com certeza já morreu... Ou então felicidade... É brinquedo que não tem), que mereceu de Caetano Veloso uma interpretação polêmica no programa tropicalista Divino Maravilhoso da TV Tupi em 1968, quando cantou "Boas Festas" com uma arma apontada para a cabeça.

E não nos esqueçamos de "Brasil Pandeiro", praticamente o hino dos Novos Baianos, que conferiram à canção uma reinterpretação pop que caiu no gosto dos pirados, friques e doidões nos anos 70.

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui à Penha e pedi à padroeira para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, pendura a saia que eu quero ver
Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar”

Tamanha quantidade de boas músicas não foi capaz de tornar a vida mais fácil ao compositor baiano. A cantora Elvira Pagã lhe cobrou dívidas e, sem saber lidar com a realidade, tentou suicídio cortando os pulsos.

Em 1941, tentou mais uma vez se matar - agora de forma monumental, jogando-se do Corcovado. Mas as árvores lhe amorteceram a queda: preso nos galhos, ele sobreviveu.

Já separado de Nadyli (com quem viveu menos de dois anos), Assis Valente tinha outro problema para conviver além das freqüentes tentativas de suicídio: o preconceito da sociedade. Por baixo dos panos, ele mantinha casos com outros homens e apenas os mais chegados sabiam de sua bissexualidade.

Os anos 50 chegaram e ele conseguiu ainda emplacar "Boneca de Pano" na voz de Carmen Costa. Foi a última música que viu fazer sucesso em vida. No dia 11 de março de 1958, na Praça Paris, na Glória (Zona Sul do Rio de Janeiro), Assis Valente matou-se ingerindo guaraná com formicida - o que a matéria de O Globo descreveu como um "corrosivo".

Sua morte, a oito dias de completar 47 anos, o fez cair no esquecimento. Mas felizmente uma leva de artistas da MPB, entre os quais Chico Buarque de Hollanda, Maria Bethânia, Elis Regina e os já citados Caetano Veloso e Novos Baianos resgatou o legado de ótimas canções do compositor - que nos anos 90 recebeu uma alentada homenagem através de um musical batizado "Samba Valente de Assis", onde Norton Nascimento (igualmente falecido e tão jovem quanto) interpretou-o no palco do Centro Cultural Banco do Brasil.

Nenhum comentário: