quinta-feira, 3 de maio de 2007

A novela que foi sem nunca ter sido

Nos anos podres da ditadura, a censura agiu pesado em cima de peças, músicas, filmes e programas de televisão com linguagem considerada "difamatória" e principalmente "subervsiva". Expressões como novo dia e amanhã, se não estivessem bem guardadas nas entrelinhas, já eram de domínio dos censores, que com uma simples canetada, tiravam toda a produção cultural de circulação.

Ok, ok... novela não é o meu forte, nunca foi, mas quem nunca viu uma na vida, que atire a primeira pedra! Em 1985, muita gente ficava grudada na telinha pra ver Roque Santeiro, estrondoso sucesso de audiência graças à ótima trama escrita por Dias Gomes e principalmente ao desempenho de José Wilker, Regina Duarte e Lima Duarte interpretando os personagens principais.

Mas o desembaraço deste folhetim só se deu porque na época vivíamos os ares da Nova República e os milicos eram coisa do passado - bem, na Nova República chegaram a proibir um filme do Godard ("Je Vous Salue Marie"), lembram?

Isto não vem ao caso agora.

A novela era, como eu já expliquei no post sobre a abertura de O Bem-Amado!, para ser exibida em 1975, como parte da comemoração do 10º aniversário da Rede Globo. Milhares de dólares foram investidos, um elenco de primeiríssimo time na época foi convocado para trabalhar, 36 capítulos foram gravados por Daniel Filho e sua trupe... e no dia da estréia, 27 de agosto, a porrada: Roque Santeiro estava definitivamente vetada pela Censura Federal, com a assinatura de Armando Falcão - o mesmo que também proibiria o Balé Bolshoi.

Segundo o jornalista Artur Xexéo em seu livro "A Usina de Sonhos", a sinopse da novela já estava em Brasília para ser aprovada quando Nelson Werneck Sodré telefonou para Dias Gomes e este confessou que estava adaptando uma peça sua, "O Berço do Herói", censurada em 1965 e proibida desde então, para a TV. O grande pecado de Dias Gomes foi chamar os militares de 'burros' durante a ligação. E para piorar, o telefone de Nelson Werneck Sodré estava grampeado.

O jeito que a Globo arrumou foi tapar buraco com uma reprise de Selva de Pedra, novela produzida ainda em preto-e-branco e que fora um baita sucesso em 1972 (eu tive o LP da trilha sonora internacional e não sei porque me sentia atraído por aquela escultura de latão da capa do disco e da abertura da novela), enquanto um novo folhetim era escrito - não por Dias Gomes, mas sim por sua esposa, Janete Clair.

E em 24 de novembro de 1975, quase três meses depois, praticamente com o mesmo elenco - na verdade, 25 artistas da novela vetada, a Globo estreou Pecado Capital.

Mas quem pensa que a abertura antiga de Roque Santeiro inexiste, enganou-se redondamente. Ei-la aqui abaixo, com direito a música cantada pelo quase-estreante Djavan, vice-campeão do festival Abertura promovido pela mesma Rede Globo, naquele mesmo ano.

Como curiosidade, seis atores fizeram parte dos dois projetos: Lima Duarte (que fez Sinhozinho Malta em ambas as versões), assim como Luiz Armando Queiroz (Tito Moreira França), João Carlos Barroso (Toninho Jiló) e Ilva Niño (Mina, a empregada de Porcina). Elizângela faria Tânia, a filha de Sinhozinho e em 1985 foi Marilda, mulher de Roberto Mathias, o galã-mulherengo. E Milton Gonçalves, que seria Padre Honório (trocado para Padre Hipólito na novela que foi ao ar) era o promotor público Lourival Prata.

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