sexta-feira, 25 de maio de 2007

"Forte eu sou... mas não tem jeito..."

A agradável lembrança de Festivais de Música passados - e por favor, deixemos de lado o horrendo "Festival da Música Brasileira", realizado pela Globo para comemorar os 40 anos da emissora - gerou até uma enquete para saber qual canção entre as muitas vencedoras nesse tipo de evento é a melhor dentre todas.

Ali entre as 10, eu tenho minha predileta: "Sinal Fechado", do grande Paulinho da Viola, campeã do último Festival da Record, realizado em 1969.

Mas a melhor de todas em todos os tempos, não foi campeã. Foi vice e a história é longa, por vezes mal-contada.

Isto se deu há quarenta anos, em 1967, no II Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. Que, por sinal, começou polêmico, graças à interferência do secretário de turismo da Guanabara, Carlos de Laet. Ele cortou três músicas entre as pré-selecionadas pelo comitê de seleção, incluiu outras à revelia dos outros participantes e mais tarde soube-se graças a um detetive contratado pelos promotores do evento que ele fizera isso para favorecer amigos - inclusive uma vizinha de porta, a pianista Carolina Cardoso de Menezes.

Como nomes do naipe de Roberto Menescal e Chico Buarque ameaçaram retirar suas músicas, o secretário de turismo voltou atrás e assim as concorrentes anteriormente eliminadas voltaram ao FIC, que tinha quarenta e seis semifinalistas. Três delas eram de um jovem mineiro de 24 anos, timidíssimo, de Três Pontas, que tinha sido vaiado no Festival da Excelsior um ano antes: Milton Nascimento.

Milton não queria mais saber de festival e suas músicas só foram classificadas porque o cantor paulista Agostinho dos Santos, que adorou seu trabalho e pediu para que o compositor gravasse três músicas para tirar uma - que seria incluida em seu novo disco. As músicas eram "Maria Minha Fé", "Morro Velho" e "Travessia".

Esperto, Agostinho mandou as fitas para a comissão de seleção do FIC - sem que Milton soubesse da artimanha. Augusto Marzagão, o homem-forte do evento, quis conhecer pessoalmente o compositor, mandou passagem e bancou a hospedagem de Milton, que morava na época em São Paulo, para que ele viesse ao Rio. E quando chegou, fez sucesso de cara. Ele teve que tocar "Morro Velho" para Eumir Deodato, Guerra Peixe, Geni Marcondes e muitos outros. Todos choraram... era uma toada lindíssima, uma das mais belas canções de um monstro da MPB que começava a surgir há 40 anos atrás.

Eumir tomou-o pra si como afilhado musical e no Rio, apresentava-o a todo mundo. E começou a elaborar os arranjos de "Morro Velho" e "Travessia", já que "Maria Minha Fé" seria cantada no FIC por Agostinho dos Santos. E deu-se o seguinte diálogo.

- Eumir, quem vai cantar essas músicas? Eu queria que a Elis (Regina) cantasse uma delas, mas a Record não deixa. Me dá uma idéia aí...

- Eu estou trabalhando com você hoje e já comecei a fazer os arranjos. E vou embora para os Estados Unidos, e não é para voltar. Se você quiser que eu faça algum arranjo, é você quem vai cantar.

- Meu Deus do Céu! Não vou enfrentar 20 mil pessoas no Maracanãzinho!

- Não, você tem que cantar. Vou fazer os arranjos para você cantar.

Milton venceu seu medo e, de smoking (que ele comprou fiado dando como garantia as três músicas inscritas por ele no FIC) entrou no palco montado no Maracanãzinho para cantar "Travessia" em 19 de outubro de 1967. Ele se apresentaria logo depois de Agostinho, com "Maria Minha Fé", e como o público aplaudiu sua primeira música inscrita, pensou consigo mesmo: 'Se gostaram de uma, vão gostar de outra'.

Dito e feito. Sua presença atraiu imediatamente o público, que sentiu ali o nascer de um futuro ídolo da música brasileira. Antes mesmo que ele cantasse a primeira frase, foi delirantemente aplaudido. No primeiro refrão, a ovação veio mais intensa e ao final, a consagração.

Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar

Minha casa não é minha,
E nem é meu este lugar
Estou só e não resisto
Muito tenho pra falar

Solto a voz nas estradas
Já não quero parar
Meu caminho é de pedras
Como posso sonhar

Sonho feito de brisa
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto
Vou querer me matar

Eu não quero mais a morte
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho
Hoje faço
Com meu braço o meu viver

Solto a voz nas estradas
Já não quero parar
Meu caminho é de pedras
Como posso sonhar

Sonho feito de brisa
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto
Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho
Hoje faço
Com meu braço o meu viver


A letra ficou na memória e para a história. Aí fica a pergunta: como "Travessia" pôde perder o título do FIC para "Margarida", canção composta por Gutemberg Guarabyra (aquele mesmo que faria a dupla Sá e Guarabyra) e interpretada por ele mesmo, Gracinha Leporace e o Grupo Manifesto?

Simples: o júri deixou-se convencer pela reação do público, que cantava alegremente a estrofe de fácil assimilação: E apareceu a margarida / Olê olê olâ / E apareceu a margarida / Olê , seus cavaleiros. E também pela presença de Gracinha Leporace, que conquistou muitos corações naquele festival - incluindo o de Sérgio Mendes, com quem se casaria depois.

Ignorando o talento e o brilhantismo de Milton, o corpo de jurados cometeu provavelmente uma das maiores injustiças em qualquer Festival de Música realizado neste país, premiando uma canção pueril e que, na fase internacional do FIC, chegou apenas em terceiro lugar. A campeã foi a italiana "Per Una Donna", interpretada por Jimmy Fontana.

O que se sabe é que nem a Philips, a gravadora de Guarabyra, apostava suas fichas em "Margarida" e a música nunca explodiu. O oposto de "Travessia", que alavancou a carreira de Milton como astro imediato da MPB e muito antes do que se supunha, levou-o a uma bem-sucedida trajetória internacional, que o tornou um dos mais respeitados cantores brasileiros de todos os tempos.

E nem cabe, aqui, qualquer comparação entre Milton Nascimento e Gutemberg Guarabyra. Pois todo mundo sabe que é covardia.

4 comentários:

Anônimo disse...

Seu Melhor post nos ultimos meses. Valeu Rodrigo!!

Em tempo, estou procurando por um LP ou CD (acho que não foi lançado) que tenha a Musica Quebra-Cabeça com A Brazuca, alguem no Blog tem? ASlô Panda, Alessandra, aceito Doações. E a Musica do Terço, que esqueci agora o Título também.

Rodrigo Mattar disse...

A música do Terço é "Tributo Ao Sorriso", eu tenho ela aqui no CD do grupo. Vou fuçar no eMule e ver se tem algo d'A Brazuca.

Anônimo disse...

Legal também foi a primeira vez que o Santana veio ao Brasil e o show ao Vivo, de umas 2 horas, foi nos estúdios da Tupy, se não estou enganado, isso em 71/72, em Preto e Branco.

Mestre Joca disse...

Na minha modestíssima opinião, Milton Nascimento teve uma grande fase até o disco "Minas", lá por 73. Sua obra prima, para mim, é o Clube da Esquina I, onde um Milton livre, leve, solto e generoso divide interpretações e composições com o melhor da música mineira de então:Márcio e Lô Borges, Tavinho Moura, et caterva em clássicos como "Paisagem da janela", "Ponta de Areia", "Cais", etc, etc.
Absolutamente imperdível para quem quer entender um pouco de MPB.
Isso aí...