É notório que a telenovela virou instituição no Brasil, desde que a Globo incorporou-as no seu horário e investiu pesado em superproduções, o que começou nos anos 70 e vem se desenvolvendo até hoje.
Nos bastidores, o trabalho de figurino, pesquisa, edição, sonoplastia e montagem é hiper frenético e quem vê um capítulo superbem produzido na telinha não faz idéia do quanto é possível aquilo com tanto esforço.
Um item que hoje pode não ter lá tanto destaque, mas que ganhou importância fundamental especialmente nos anos 70, foram as trilhas sonoras.
A primeira desenvolvida para a Globo, por exemplo, foi da novela "Véu de Noiva", exibida em 1969. Com produção de Nelson Motta, a trilha teve dois clássicos instantâneos - Teletema, de autoria de Antônio Adolfo, e Irene, composta por Caetano Veloso e brilhantemente interpretada por Elis Regina.
Boni, que já era um diretor influente e formava com Walter Clark os homens de confiança da família Marinho na emissora, gostou e o trabalho seguiu, com a Philips prensando e distribuindo os discos. Em "Verão Vermelho", as estrelas eram Elis (sempre ela), Luizinho Eça, o grande Wilson das Neves e o maestro Erlon Chaves, todos - claro - contratados da gravadora.
O terceiro álbum foi o de "Pigmalião 70", sempre com produção de Nelsinho Motta onde dominavam faixas instrumentais executadas pelas orquestras de José Briamonte e Erlon Chaves. Sobrou espaço para o quase-estreante Egberto Gismonti, para o grupo The Youngsters e também para Wilson das Neves.
A saga continuou com "Irmãos Coragem", com Jair Rodrigues interpretando o inesquecível tema de abertura composto por Nonato Buzar. E em "Assim na Terra Como no Céu", Nelson Motta dividiu a produção do disco com Roberto Menescal, sempre com o auxílio luxuoso do cast da Philips, que incluía neste disco nomes como Tim Maia, Claudette Soares, Ivan Lins, Maria Creuza e Roberto Menescal.
A Philips vendia horrores e à Globo cabia apenas uma parcela ridícula de royalties na vendagem, o que fez os executivos da emissora chegarem à conclusão de que dava para se criar uma gravadora exclusiva para a arregimentação das trilhas sonoras de todas as suas novelas. Isto posto, Boni determinou que Nelson Motta seria o produtor de todos os discos - como já o era desde 1969. Mas como ele já desempenhava papel semelhante na Philips como produtor, declinou do convite, esperando ouvir do irascível diretor a expressão característica dele.
"Tá na rua, seu merda!"
Mas Boni desta vez não demitiu Nelsinho e respeitou sua decisão. Afinal, ele era um ótimo jornalista de entretenimento que a Globo não podia se dar ao luxo de mandar embora. E foi procurar outros nomes para a empreitada, que começaria com o disco da novela "O Cafona".
E não foi fácil para a recém-criada gravadora Som Livre, pertencente à Sigla (Sistema Globo de Áudio), reunir artistas e músicas para sua primeira experiência. Nonato Buzar amealhou neófitos como Jacks Wu e Betinho, passando por Carlinhos Lyra e até Marília Pera, que cantou a música de sua personagem, Shirley Sexy.
Em "O Cafona", houve também a primeira trilha sonora internacional, com canções estrangeiras e todas de nomes do segundo escalão. Mas a experiência não foi de todo má e continuou em "Minha Doce Namorada" (onde despontou Maria Creuza cantando Você Abusou, de Antônio Carlos e Jocafi), "O Homem Que Deve Morrer" e "Meu Pedacinho de Chão".
A emissora, no entanto, ansiava por um LP que vendesse como água - mas atrelado a uma produção que caísse no gosto popular. "Bandeira 2", de Dias Gomes, se prestou a este papel e o disco nacional foi um sucesso, com o sambão da Imperatriz Martim Cererê e excelentes participações de Cláudia, Maysa, Marlene e também do cantor regional Catulo de Paula.
Mas o espanto foi o disco internacional, com a fina flor da música da gravadora Motown - Rare Earth (I just want to celebrate), Michael Jackson (Got to be there), Marvin Gaye (Mercy, Mercy Me), Diana Ross (Remember Me), Stevie Wonder (Think of me as your soldier) e Jackson 5 (Going back to Indiana) - misturada a nomes como a francesa Mirelle Mathieu e o grupo argentino Los Hermanos Castro, participante do FIC em 1970.
Foi em "Selva de Pedra", no entanto, que uma música estrangeira estourou nas paradas de sucesso. A melosa Rock And Roll Lullaby, de B. J. Thomas - que de rock não tem nada - servia como pano de fundo para o amor de Simone (Regina Duarte) e Cristiano (Francisco Cuoco). Não por acaso, a canção foi escolhida para a cena de encerramento da novela, um grande sucesso de audiência.
Depois de produções pouco inspiradas nas trilhas de "Uma rosa com amor" e "A Patota", a Globo resolveu encomendar a autores específicos o score nacional de suas trilhas sonoras. De novo, lá ia a emissora fazer experiências às custas do seu próprio dinheiro, e com a primeira produção do horário das 22h - "O Bofe".
E a tarefa coube a ninguém menos que Roberto e Erasmo Carlos, que mesmo sendo contratados de outras gravadoras (CBS e Philips, respectivamente), escreveram e compuseram 12 músicas que, evidentemente, foram gravadas por outros artistas - entre eles Elza Soares, Djalma Dias e Os Vips. Sobrou até para Nelson Motta, que interpretou a canção Madame Sabe Tudo.
Para "O Bem-Amado!" foram convocados outros dois cracaços da MPB: Toquinho e Vinícius de Moraes. Eles escreveram pérolas como a censurada Paiol de Pólvora, que seria o tema de abertura, substituído por O Bem-Amado, além de Patota de Ipanema e Meu Pai Oxalá.
Mas, sem dúvida, uma das duplas mais improváveis que a Globo convocou foi Raul Seixas e Paulo Coelho. Juntos, os dois aprontaram um bocado no disco da novela "O Rebu", de 1974. Primeiro, escreveram a provocativa Como Vovó Já Dizia, que continha versos que incomodaram a censura. No entanto, o debochado refrão cantado em coro pelos Golden Boys foi liberado...
Quem não tem colírio... usa óculos escuros, diziam o magro abusado e seu então parceiro.
Raulzito aparece no disco em mais outras três faixas - Um Som Para Laio, Trambique e Água Viva. A estreante Alcione gravou Planos de Papel, o grupo Trama interpretou Vida a Prestação e Betinho deu voz à censurada Murungando. Outro clássico da parceria foi cantado por Fábio, aquele que quer escrever uma bombástica biografia de Tim Maia. A ele coube a música Se o rádio não toca, que parte na defesa da recusa do banal.
Olhando detidamente a lista das músicas, há um porém: nem todas as canções foram da dupla. Basta lembrar de Salve a Mocidade, a música-símbolo da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, cantada anos a fio por Elza Soares.
Amanhã, eu continuo com mais.
Um comentário:
sensacional! eu não conhecia muito dessa história, adorei. tive muitos discos de trilhas sonoras e acho que els tiveram vários méritos. além de alavancar a carreira de vários artistas bons, deram chance a que o público conhecesse artistas e gêneros que dificilmente frequentariam sua discoteca, por puro desconhecimento.
eu mesma descobri dinah washington graças à trilha sonora de "anos dourados", como contei no meu blog certa vez.
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