quinta-feira, 5 de julho de 2007

Quando um homem fez um país chorar

Paolo Rossi: o homem que fez um país inteiro chorar a perda da Copa da Espanha

A gente começa a ter noção do quanto o tempo passa na vida quando alguma coisa que ainda está bem viva na nossa retina já aconteceu há mais de 20 anos.

No esporte, vivi minhas primeiras emoções ainda criança, com a Máquina Tricolor de Rivelino, Gil, Doval, Dirceu, Pintinho, Caju, Manfrini e outros que formavam uma verdadeira constelação de craques. Me apaixonei aos sete anos por um negócio chamado Fórmula 1, que fazia parte de um esporte (embora digam que não) chamado automobilismo. Nessa mesma época, assisti a primeira Copa do Mundo que me lembro.

Vi Reinaldo comemorando, punho cerrado e braço direito para trás, o gol contra a Suécia. O árbitro Clive Thomas roubar-nos escandalosamente o gol da vitória nesse mesmo jogo. Amaral tirando bola em cima da linha contra a Espanha. O gol salvador de Roberto Dinamite contra a Áustria. A derrota da Argentina para a Itália, que nos colocou no mesmo grupo na fase semifinal. A mesma Argentina que seria pivô de um escandaloso 6 x 0 contra os vendidos do Peru. O golaço de curva de Nelinho contra a Itália. A Argentina campeã contra a Holanda.

Assim vivi a Copa da Argentina e, com 11 anos de idade, em 1982, estava pronto pra outra, a Copa da Espanha.

Eu, como todas as crianças e jovens da minha geração, vivi intensamente um período do futebol brasileiro onde 90% dos nossos craques ainda jogavam por aqui e dos 22 selecionados por Telê Santana para aquela competição, se me recordo apenas Falcão e Dirceu jogavam no exterior - um na Itália, outro no México (Espanha talvez). O que sei é que com uma base montada havia dois anos antes, a seleção dera show numa excursão para a Europa - ganhando da Inglaterra, da França e da Alemanha, com direito a dois pênaltis cobrados por Paul Breitner, que Valdir Peres defendeu. Mas no Mundialito, perdemos para o Uruguai.

A classificação para a Copa foi conquistada com um pé nas costas, numa época em que só a Bolívia - das seleções mais fracas - era a mais difícil de vencer porque joga no altiplano, a mais de 3.500 metros acima do nível do mar. E deles vencemos, por 2 x 1, com gols decisivos de Reinaldo. Depois, no Maracanã, foi Zico 3 x 1 Bolívia.

A Venezuela foi superada por uma vitória pelo placar mínimo em Caracas e uma goleada no Serra Dourada. E com as vitórias que se sucederam nos amistosos de preparação se antevia uma campanha brilhante para o time que teria como titulares Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder.

Na verdade, a camisa 9 por merecimento deveria ser de Careca. Com 22 anos de idade, ele voava baixo no fortíssimo ataque do Guarani de Campinas, tendo como parceiro o craque Jorge Mendonça (esquecido por Telê). Mas mercê uma distensão na coxa, foi cortado e em seu lugar, chegou Roberto Dinamite.

Lembro que a estréia contra a então União Soviética do ucraniano Blokhin, o craque daquela época, foi um sufoco. Um chute despretensioso de Bal... e frango de Valdir Peres. Pior: o goleiro dos caras, um tal de Rinat Dasaev, era bom demais!
Mas não segurou um chute perfeito de Sócrates e, mais espetacular ainda, a bomba santa de Éder, o gol da virada e da vitória, num jogo onde inclusive a arbitragem (espanhola, de Lamo Castillo) fez vista grossa a um pênalti claríssimo cometido pelo zagueiro Luizinho.

Contra a Escócia, no jogo seguinte, Narey assustou e abriu a contagem para os súditos da Rainha, fazendo a alegria dos beberrões. Mas a magia brasileira estava presente e com gols de Zico, Oscar, Éder (este, simplesmente extraordinário) e Falcão, goleamos e a classificação foi garantida.

Os amadores da Nova Zelândia não deram trabalho e praticamente foram coadjuvantes bem-comportados de mais uma goleada, desta vez por 4 x 0, com dois gols de Zico, um de Falcão e outro de Serginho.

Como primeiros colocados do nosso Grupo, caímos na chave 3 para a fase de quartas-de-final, saindo de Sevilha para Barcelona. No nosso caminho, enfim, dois representantes da elite do futebol mundial: Itália e Argentina.

Nosso tradicional rival sul-americano, e que em 1978 usou e abusou do direito de ser o país-sede para chegar ao título e calar as vozes que se insurgiam contra a ditadura boçal e truculenta reinante do outro lado do Prata, tinha Diego Maradona, tido como o maior gênio do esporte depois do nosso Pelé.

E a Itália, que se classificou com três empates contra Polônia, Peru e Camarões, eliminando os africanos no número de gols marcados, era vista por muitos com desdém. Mas um dos espiões da CBF, Aymoré Moreira, cantou a pedra.

"Cuidado com eles”.

Tal observação não foi levada a sério o suficiente, mas o primeiro jogo da chave tratou de dar razão a Aymoré. Em 29 de junho, a Itália venceu a Argentina por 2 x 1, com gols de Tardelli e Cabrini. Passarella descontou para os argentinos, que precisariam nos derrotar para ter chance na Copa.

O Brasil, contudo, fez uma exibição de gala e deixou os rivais na roda. Zico, depois de falta cobrada por Éder e que bateu no travessão, fez 1 x 0. Serginho ampliou e Júnior, após passe primoroso de Leandro, fez o terceiro, sambando na comemoração. Maradona deu vexame: foi expulso depois de agredir Batista. Ramón Diaz fez o gol de honra. A Argentina voltava para casa.

E no dia 5 de julho, há exatos 25 anos, Brasil e Itália entravam no gramado do Estádio Sarriá, em Barcelona, para decidir quem seguiria vivo na Copa de 1982.
Jogávamos pelo empate, pois com a diferença de um gol marcado contra os argentinos, qualquer resultado deste nível nos classificava. Mas, com a eterna vocação daquele time para o ataque e especialmente para o espetáculo, corríamos o risco de ver o sonho ruir.

Dito e feito: com cinco minutos exatos de jogo o atacante Paolo Rossi, que não tinha feito um único e escasso gol em quatro jogos, fez 1 x 0. Diga-se de passagem que o atleta ficara preso por alguns anos, envolvido no escândalo do Totonero - a máfia da loteria que rebaixou o Milan para a Série B - e na cadeia, já sabia que após a Copa seria jogador da Juventus de Turim.

Mas o Brasil tinha seus talentos e aos 12, numa jogada pela direita, Sócrates chutou rasteiro e cruzado, vencendo o excepcional arqueiro Dino Zoff. Era o empate, com muita vibração e pelo menos até aquele momento, o pesadelo não se concretizara.

Só que estava escrito que teríamos muito sofrimento naquela tarde - o jogo começou às 12h15 (hora de Brasília) - e aos 25, quando Cerezo deu um passe errado na saída de bola, quem é que estava de olhos ligadíssimos no lance?

Sim... ele mesmo, Paolo Rossi. Estopa. Itália 2 x 1 Brasil.

E poderia ser 2 x 2, como não? Gentile fez pênalti em Zico, rasgou a camisa 10 do craque brasileiro. Mas o árbitro israelense, o veterano Abraham Klein, não viu ou fingiu que não viu.

No intervalo, o truculento lateral soltou uma das históricas frases daquela Copa.

"Futebol é coisa para homem”.

O primeiro tempo nos deu a dimensão real do drama, pois com o 2 x 1, a seleção de maior nível técnico daquela Copa, a mais espetacular desde a do tricampeonato de 1970, estaria fora.

E o segundo tempo foi avançando... o desespero crescia na mesma medida que os minutos iam inexoravelmente apontando o fim do jogo, quando... Falcão, o Rei de Roma, soltou um canudo que deixou Dino Zoff atônito. Só um monstro como Paulo Roberto Falcão (que jogou muita bola em 1982) poderia nos tirar do sufoco.



Um gol cuja emoção se representa na narração de Luciano do Valle, para mim a mais sensacional de toda a história da televisão brasileira.

Afinal, aos 23 do segundo tempo, era o tento que representava a nossa classificação para as semifinais contra a Polônia do carequinha e veterano Lato, e do excepcional Zbigniew Boniek.

O problema é que futebol tem 90 minutos e não 45 mais 23. E num vacilo incrível após uma cobrança de escanteio, a bola parou nos pés de... Paolo Rossi. O homem estava impossível e fez mais um: Itália 3 x 2.

Daí em diante, foram dezesseis minutos buscando - em vão - o empate. Na última tentativa clara, Oscar cabeceou de forma quase indefensável mas o paredão Zoff não deu brecha.

Quando Abraham Klein trilou o apito e terminou o jogo, este país inteiro chorou. Os torcedores brasileiros que com sua alegria sacudiram a Espanha e fizeram aquele país torcer por nós, choraram também. A imprensa, confiante com o desempenho cada dia mais brilhante do time de Telê, chorou. Os jogadores choraram. Telê chorou.

5 de julho de 1982. O dia em que o melhor futebol do mundo naquela época foi para casa mais cedo, dando origem à chamada "Tragédia do Sarriá".

Tragédia, claro, para nós. Afinal, a Itália seguiu em frente e foi campeã. E como injustiças também acontecem não só com o nosso futebol, a França - que exibia um jogo tão vistoso quanto o nosso - foi eliminada na loteria dos pênaltis pela Alemanha.

Sinceramente? Sempre que jogamos contra eles em Copas depois de 1982, foi na hora errada. Perdemos em 1986, 1998 e no ano passado. Melhor teria sido se o jogo tão desejado há 25 anos tivesse acontecido. Teríamos presenciado, quem sabe, a maior partida da história do futebol. E com certeza o campeão seria o Brasil.

4 comentários:

Anônimo disse...

Rapaz, me lembro de (quase) tudo isso. O tempo passa mesmo. Mas só uma pequena correção: chamar os argentinos de portenhos é o mesmo que chamar os brasileiros de cariocas, já que o termo portenho se refere apenas aos habitantes de Buenos Aires, e não a toda Argentina. Abraço.

Anônimo disse...

Eu não lembro dessa copa, embora tenha visto... O que eu sei foi visto posteriormente a tristeza talvez seja a mesmade quem viu... Ali o futebol perdeu, principalmente o futebol brasileiro...

Anônimo disse...

eu tinha mais ou menos sua idade e minhas lembramnças muito parecidas, portanto fortes e nítidas demais passados 25 anos. No esporte futebol só shorei uma vez na vida : 5 de julho de 82. Depois desse jogo minha paixão por futebol foi diminuindo ano a ano , que mesmo se um dia o Brasil apanhar de 6x0 pra Argentina numa final de copa , não vou ligar e se vencer vou comemorar, ´porém sem grande entusiasmo.
No automobilismo , só chorei uma vez tb , é claro no 1° de maio de 94.

Anônimo disse...

Aquilo sim era seleção Brasileira de futebol!
Perdemos, mas a 25 anos ainda discutimos e temos tanta lembranças daquele time.

Mattar,
Pelo que me lembre, o magnifico passe para o gol do Junior diante da Argentina foi do Craque Zico e não do Leandro.

Abs