terça-feira, 5 de junho de 2007

Memória Le Mans - "Resposta à americana"

O Ford GT40: resposta pra ninguém botar defeito


A Ferrari ficou invicta de 1960 a 1965. Foram seis vitórias consecutivas e ninguém parecia capaz de batê-la em Le Mans. Nesse período, a casa de Maranello também comemorou dois títulos mundiais de F-1 com Phil Hill e John Surtees e evidentemente o "olho cresceu" sobre o construtor italiano.

Nessa época, Enzo Ferrari queixava-se de dificuldades financeiras e a Ford, que tentara suas primeiras investidas equipando os AC Cobra de Carroll Shelby, fez uma proposta indecorosa, querendo comprar a Ferrari e assim assumir o Reparto Corse (Departamento de Competição) e toda a produção de GTs em pequena escala.

Franco Gozzi, secretário particular do comendador, narrou assim o episódio.

"Na reunião final, com os acertos transformados em documentos, estava tudo acertado. Mas na leitura dos papéis, o Comendador pegou a caneta - um sinal que achara alguma coisa que precisava correção. A redação dos advogados da Ford trazia duas expressões que fizeram o velho Ferrari sair do sério. Falava em submissão e na necessidade de obter aprovação da Ford para despesas em competições que ultrapassassem certo teto. O Comendador Ferrari leu o texto, sublinhou tais palavras com sua caneta de tinta violeta. Não assinou. E encheu a sala com uma torrente que se imaginava serem palavrões - eram, mas em dialeto que nem os advogados da Ford nem seus tradutores entenderam - ficando em dúvida sobre o que estava ocorrendo."

Ato contínuo, Enzo retirou-se da sala e chamou Gozzi para almoçar. E não voltou mais, deixando os advogados, tradutores e o representante da Ford Europa na mão.

Henry Ford II tomou conhecimento do ocorrido e decretou:

"Vamos fazer um carro para passar feito rolo compressor sobre a Ferrari."

Dito e feito: com orçamento ilimitado, contratou quem quis e por quanto podia. Lee Iaccocca, o famoso executivo idealizador do projeto do Mustang, apresentou seus planos de construir um carro capaz de superar a barreira das 200 milhas por hora.

Foi pedida ajuda para Eric Broadley, da Lola e a John Wyer, egresso da Aston Martin. E em 1966, a Ford respondeu à altura cravando os três primeiros lugares com o protótipo MK II. Bruce McLaren venceu em dupla com Chris Amon e durante a prova, Dan Gurney tornou-se o primeiro a virar acima de 230 km/h de média horária.

Em 67, com a evolução do modelo - rebatizado de MK IV - os heróis de Indianápolis Dan Gurney e A.J. Foyt derrotaram os cavalinhos empinados. E com direito a novo recorde de volta na prova, a 238 km/h - com o carro de Denny Hulme / Mario Andretti.

Para o ano seguinte, chegou o monstruoso Ford GT40, um veoitão puro-sangue com 5 litros de capacidade cúbica. E com ele, a marca do oval de Detroit chegou ao tricampeonato em Le Mans, com o excepcional Pedro Rodriguez e o belga Lucien Bianchi.

A quarta vitória foi de novo obtida com o GT40 e em circunstâncias dramáticas: Jacky Ickx, que quase perdera o sogro "Beurlys", acidentado um ano antes, protestou contra as condições de segurança e o procedimento de partida, onde o piloto corria em direção ao carro, ligava-o, não atava os cintos e pisava fundo já na primeira volta. Largou por último porque decidiu não sair sem os cintos de segurança. E como efeito, escapou do acidente que matou o piloto John Woolfe.

Durante a prova, ele e Jackie Oliver tiveram nos Porsches uma duríssima oposição, em especial o modelo 908 de Gérard Larrousse e Hans Herrmann. Nas últimas voltas, o belga pilotou de forma alucinada e consciente para derrotar o carro alemão e conseguiu triunfar na última volta, por meros vinte metros, na chegada mais apertada da história da prova.

O GT40 nunca mais venceria em Le Mans e a Ferrari seria absorvida pela FIAT anos mais tarde. A partir dos anos 70, um outro cavalinho viria incomodar - e muito - os concorrentes. E como sempre, isso é assunto para o próximo tópico.

6 comentários:

Anônimo disse...

Monsieur Mattar,

Je suis presque en être intéressé dans l'histoire de cette
merveilleuse preuve de résistance automobile, mais je trouve que
seulement je serai réellement heureux quand t'arrêtera de parler
dans des poneys, Italiens et Allemands ; et commencer à écrire sur
le COQ FRANÇAIS, là oui je vais aimer cette partie de l'histoire.

En attendant cette partie de l'histoire,

sincèrement,

Henry Pescarolo.

Mestre Joca disse...

Mattar,
Se entendi seu texto direitinho, gostaria de acrescentar que, desde 1964 o MKII já era GT-40 de 4.2 litros, este baseado no Lola Gt MK6. Após sucessivas derrotas no primeiro ano para a Ferrari, vieram as versões MKIII de 4.7 e 4.9 litros, até o MKIV e o Ford J (praticamente a mesma coisa, questão apenas de ano), os big bangers de 7 litros. Em 68, após a Ford abandonar oficialmente o Campeonato Mundial de Marcas após o banimento dos big bangers, John Wyer continuou com os GT-40, enquanto Alan Mann apostava no P-68 de 3 litros Ford Cosworth, que acabou demonstrando ser um retumbante fracasso.
Estes foram, sem dúvida, os anos mais belos da historia dos sport-protótipos.
Como dizia o General McArthur, voltarei...

Rodrigo Mattar disse...

Meu caro Joaquim, você tem razão, mas preferi me ater ao período em que a Ford resolveu dar uma tunda na Ferrari, exatamente pela briga em questão entre Detroit e Maranello.
E Henry Ford II foi enfático. O MKIV e o GT40 foram feitos para destruir a Ferrari.
Abraços, mestre!

Victor Menezes disse...

Henry Pescarolo EM PESSOA? :O

Parabéns, Mattar!

Mestre Joca disse...

Uma história muito mal contada é a que circunda o real motivo do abandono da Ford no Mundial de Marcas.Já no final de 66 a fábrica americana pressionava a FIA por melhores condições de segurança, desde que havia perdido o piloto Walt Hangsten em um acidente com um MarkII, nos treinos para Le Mans. A Comissão desportiva Internacional, órgão normativo da FIA, ao contrário, resolveu proibir a participação dos motores 7 litros a partir de 1968, banindo assim os big bangers e a grande arma da Ford.A montadora americana já havia vencido duas vezes em Le Mans (o grande desafio na época)- e o faria mais duas vezes extra-oficialmente com os GT-40 de John Wyer em 68 e 69. Além disso a CSI aprova um esdrúxulo regulamento limitando cilindrada em 3 litros, outra tentativa de reverter a posição da Ford, uma vez que somente esta tinha um motor competitivo, o Cosworth de Fórmula Um,forçando a ausência da ferrari neste ano. Mas curiosamente o campeonato se decide mesmo é no Grupo Quatro (SportCars), aquele em que enquadrava os protótipos até cinco litros (GT-40, Lola T-70). Alan Mann fracassa com seu projeto Ford P-68 de 3 litros, assim como a Matra Simca.Foi o começo da ascenção da Porsche com seu 908/1 de seis cilindros e 3 litros, que redundaria depois na criação de sua obra prima, o fantástico 917.

SALOMA disse...

Mattar, eu tenho o filme dessa prova em VHS, em que Ickx larga em último e a dupla ganha na última volta ou melhor na entrada da chicane antes da reta dos boxes. Eles já vinham duelando nesta reta antes da chicane a mais de 10 voltas. O Porsche passava o GT 40 na reta e o mesmo retornava a liderança porque freiava mais dentro da curva...emocionante...
LS