sábado, 23 de junho de 2007

Duelo Musical II - Elis Regina x Marisa Monte

Muito embora não houvesse repercussão em termos de postagens no blog (se um post tem mais de cinco respostas, pra mim já está ótimo), o primeiro “Desafio Musical” me deixou muito satisfeito porque acho que fiz um desenho muito interessante do legado que o Cream e o Experience de Jimi Hendrix deixaram para a música.

E aí comecei a pensar num segundo momento: quem seriam os próximos do desafio? Pensei em Beatles e Rolling Stones, e citaria a música de Gianni Morandi que fez sucesso aqui com os Incríveis e depois com os Engenheiros do Hawaii. Mas achei pretensão demais falar dessas duas lendas do rock assim, tão de cara.

Então lendo O Globo de hoje, deu o estalo: afinal, deram capa para Marisa Monte, que está prestes a completar 40 anos. Idade que a maior cantora da história da música nacional não chegou a alcançar: Elis Regina Carvalho Costa.

O segundo desafio musical não pode ser outro, portanto: Elis Regina x Marisa Monte.

DISCOGRAFIA

Já de saída, Elis Regina mostra que não está para brincadeira, neste desafio. Entre 1964 e 1982, ano de seu falecimento, a Pimentinha nos brindou com uma safra excepcional de discos, onde os mais representativos são: “Falso Brilhante” – tido como um dos dez álbuns mais emblemáticos da MPB – o fantástico “Elis & Tom” e “Ela”, com excepcionais regravações - vide "Cinema Olympia" (Caetano Veloso), "Mundo Deserto" (Erasmo e Roberto), "Golden Slumbers" (Paul McCartney) e "Black Is Beautiful" (Marcos e Paulo Sérgio Valle). Durante o período breve e intenso que marcou sua carreira, Elis se cercou dos melhores produtores, músicos e compositores, bebendo nas mais diversas fontes e cantando com alegria infinda do jazz à música sertaneja.

Marisa Monte tem vinte anos de estrada e um gosto bastante eclético – não é à toa que ela é filha de um integrante da Velha Guarda da Portela, como provado desde o disco de estréia (que é ao vivo), atestando o misto de ousadia e pretensão que marcou sua carreira. É verdade que tenho sim alguns dos seus trabalhos aqui em casa, incluindo o primeiro CD e o quilométrico Verde Anil Amarelo e etc. Mas nada que me emocione. Aliás, em matéria de cantora, só duas no Brasil realmente me emocionam – e uma delas é Elis Regina.

Vantagem para Elis Regina neste primeiro quesito.


MUSICALIDADE

As duas são realmente muito musicais, não se pode negar. Elis, filha de um casal humilde – uma lavadeira e um vidraceiro – e nascida em Porto Alegre, teve desde cedo a vocação para o estrelato, cantando como gente grande no Clube do Guri e zarpando com sua interpretação de “Arrastão” para o Olimpo da música brasileira. Sabe-se que apesar de uma voz potente e fraseado marcante, Elis contou com a ajuda de muita gente para evoluir – especialmente na postura de palco. Um dos responsáveis por essa evolução foi o bailarino americano Lennie Dale, lendária figura da noite carioca, um dos integrantes dos Dzi Croquettes, que tomou Elis sob sua proteção e tornou-a uma cantora cada vez melhor. Não no sentido do canto, mas da interpretação, especialmente se lembrarmos como ela mexia loucamente os braços quando ganhou o Festival da Excelsior em 1965.

Marisa também tem excelente postura de palco e foi ajudada – e muito – nisto por Nelson Motta, que foi seu protetor pelo menos durante dois anos no início de sua ascensão musical. Mas não sei... falta-lhe o carisma necessário para ela se tornar a estrela que ela pensa que é. Talvez por ser uma figura vamp, enigmática, um tanto reclusa, Marisa crie essa aura. Não compromete. Mas também não ajuda muito.

Elis tem ligeira vantagem sobre Marisa, novamente.


REPERTÓRIO

Elis – que nunca foi compositora ou letrista, apenas intérprete, é bom que se diga, cantava samba-jazz em seus primeiros discos e gostava muito de música internacional – boleros inclusive. Odiava Bossa Nova, mas Tom Jobim era outra história. Nelson Motta, que também trabalhou com Elis (foi seu produtor na Philips entre 1967 e 1972), incutiu pouco a pouco na Pimentinha a necessidade de se renovar. E foi aí que começaram a surgir novos nomes na esfera de compositores que ela trazia para seus álbuns: Baden Powell, Paulo César Pinheiro, Ivan Lins, Milton Nascimento, João Bosco, Aldyr Blanc, Zé Rodrix, Belchior, Egberto Gismonti, Tim Maia, Renato Teixeira e tantos outros.

Por isso, a lista infinita de clássicos imortalizados por Elis: “Vou deitar e rolar (Quaquaráquaquá)”, “É com esse que eu vou”, "Atrás da Porta", “Como nossos pais”, “Madalena”, “Canção do Sal”, “Casa no Campo”, “Alô, Alô, Marciano”, “Maria Maria”, “Romaria”, “O bêbado e a equilibrista”, “Dois pra lá, dois pra cá” e tantas outras.

Mas nada mais bacana na carreira de Elis do que o disco dividido com Tom Jobim em 1974, que rendeu na mesma medida um especial de TV histórico para a Rede Globo. Ao lado do maestro soberano, os dois dão um show na definitiva versão de “Águas de Março” – e quem ousaria duvidar do contrário?

Marisa parecia enveredar pelo mesmíssimo caminho da gaúcha quando começou, apenas como intérprete e bebendo nas mais diversas fontes, de Gershwin (“Porgy & Bess”) a Monsueto (“Ensaboa”). Uma cantora sem dúvida cool, mas buscando identidade musical. Ela começou relativamente bem nos três primeiros discos, mas a partir do “Barulhinho Bom”, quando começou a compor algumas canções, derrapou na seleção musical. Ela conseguiu ótimas parcerias, especialmente com Arnaldo Antunes (“Beija Eu” e “Amor I Love You”), com outro Titã – Nando Reis, que inclusive foi seu namorado por um tempo e outros nomes da nova MPB, como Lenine e o percussionista Marcos Suzano. Pela quantidade e qualidade das músicas por ambas interpretadas, embora Marisa mostre muito bom-gosto, a comparação entre ambas aqui não deixa dúvidas.

Elis vence de lavada neste quesito.

CONJUNTO DA OBRA

Para finalizar este duelo, reitero que isto aqui não é a fogueira da inquisição da carreira de Marisa Monte, e não tenho pretensão de querer fazer isso. É apenas a reafirmação da minha admiração eterna pelo talento de Elis Regina, para mim a maior cantora que já existiu no Brasil em todos os tempos. A Pimentinha foi, em menos de vinte anos nos palcos, a referência-mor para todas as que vieram em seguida – inclusive de sua filha Maria Rita (embora esta negue com veemência). De Beatles a Roberto Carlos, passando por Mercedes Sosa e Armando Manzanero, ninguém ficou impune à presença vocal de Elis Regina, que passou por este mundo como um furacão que deixa, até hoje, marcas indeléveis em quem a viu – ou apenas ouviu – cantar as músicas que ela deixou para a história.

Marisa ainda tem muito feijão para comer se quiser ser uma das maiores cantoras brasileiras em todos os tempos. Na atualidade, como há poucas à sua altura (Bethânia é um caso a parte), ela talvez se sobressaia. Mas, bem como dito antes, sua busca incessante pelo ecletismo às vezes a faz cometer alguns deslizes e derrapagens, vide o chatíssimo projeto Tribalistas, com Arnaldo Antunes e o mala do Carlinhos Brown. Afinal de contas, quem há de aturar pérolas como “Já sei namorar”? Quem tem estômago e ouvido apurados, passa longe!

Vitória incontestável, porém não esmagadora, de Elis Regina sobre Marisa Monte neste segundo duelo musical. Aguardem o próximo.

6 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com tudo que voce disse, e nem podia ser diferente...
Assisti ao show "Falso Brilhante" por duas vezes, e meu pai - velho cantor de ópera e grande conhecedor de música - era fã de carteirinha da Elis, sem dúvida a maior cantora que este país viu.
Seu album duplo "Saudades do Brasil" é antológico, assim como dezenas e dezenas de canções.
Há uma versão da música "Aos nossos filhos" que é sublime, assim como "As aparencias enganam" acompanhada de piano e violão, coisa do outro mundo...
Sou suspeito pra opinar, portanto.
Sou 100% Elis Regina, desde sempre.
Tremendo abraço, Mattar.
Claudio Ceregatti

Anônimo disse...

Caro Rodrigo,
Sou carioca e calouro numa grande universidade do Rio de Janeiro. Estou lançando um blog só sobre automobilismo, e estou anunciando aqui porque você é uma das minhas referências no jornalismo especializado em esporte a motor. Espero, no futuro, ser seu colega em algum lugar. Agora, porém, tudo que eu posso pedir é que você dê uma olhadinha lá e diga o que achou. Se gostar, não custa nada colocar no site, né? Perdoe-me a indiscrição, mas é que eu estou precisando de uma ajudinha agora no início mesmo.
O endereço é:
http://blogf1grandprix.blogspot.com
Um grande abraço,
Webmaster Blog F1 Grand Prix

P.S: Não sei se isso conta para alguma coisa, mas sou TRICOLOR DE CORAÇÃO que nem você.

Alessandra Alves disse...

mattar, confesso que, quando vi o título do post, levei um susto. não exatamente por supor que marisa pudesse vencer elis - minha preferida entre todas as cantoras brasileiras - mas pela sua coragem de lançar o desafio. isso porque elis se tornou um mito tão incontestável que raramente alguém se arrisca na comparação dela com qualquer outra. parabéns pela quebra do paradigma. e concordo com todos os tópicos.

dois pitaquinhos:

sobre maria rita, eu não a censuro por continuar negando a influência. vai chegar um momento, em que a maturidade na vida e na carreira vai possibilitar que ela deixe de lado essa armadura que adotou. é óbvio que a influência maior é de elis. uma vez, quando eu ainda tinha toca-fitas no carro, gravei uma fita com músicas intercaladas de elis e maria rita, com temáticas e/ou características semelhantes. é óbvia demais a relação. pegue, por exemplo, "dois pra lá, dois pra cá", com elis, e "dos garneias", com maria rita. ou "a banca do distinto", com elis, e "cara valente", com maria rita. ou "madalena", com elis, e "lavadeira do rio", com maria rita. você "ouve" elis em maria rita, e eu não acho que isso seja ruim. por que seria? eu passei mais de vinte anos esperando elis ressuscitar!!!

e o outro pitaquinho é um pequeno reparo: o disco "ela" foi o último da safra antes de césar camargo mariano. o primeiro deles foi o do ano seguinte, que se chama simplesmente "elis" e tem clássicos como "casa no campo", "mucuripe", "atrás da porta" e a primeira gravação que elis fez de "águas de março". mas esse "ela" é mesmo sensacional, talvez o disco mais pop-rock da elis (em sua medida de pop-rock, naturalmente). além da gravação original de "madalena", de "cinema olympia", com elis duelando lindamente com uma guitarra (justo ela, a líder da passeata - hehehe) tem duas antológicas: "black is beautiful", de marcos e paulo sérgio valle e uma versão de "goldem slumbbers", dos beatles.

Rodrigo Mattar disse...

Alessandra, obrigado pelos pitacos. A correção já foi feita e de fato, confiei demais na minha memória e confundi as coisas. Realmente o primeiro disco do César com a Elis é o que tem "Atrás da Porta", uma das mais espetaculares interpretações dela em disco, durante toda a carreira.

Luly disse...

Bom, eu não sou de escolher ídolos, acabo gostando de algumas coisas de cada um. Da Elis gosto da intensidade, entrega na hora de cantar. Da Marisa gosto da suavidade. Ambas têm espaço na minha vitrolinha virtual.

:)

Martha zuim disse...

Realmente, Marisa Monte precisaria ser um pouquinho menos cool. Música é sentimento e ela não me emociona. Canta bem, é suave, tem gosto musical mas não chega perto da potência que foi Elis Regina.