segunda-feira, 18 de junho de 2007

Desafio musical - confronto 1: Cream x Experience

Como absoluto leigo em teoria musical, mas apaixonado por música e tudo o que a cerca, é óbvio que sempre me senti tentado a cometer uma certa ousadia: promover “desafios” colocando em confronto alguns grupos e/ou artistas representativos e de épocas contemporâneas ou distintas até.

Confesso que nem sei por onde começar. Estou vendo o DVD Disraeli Gears, que conta a história do segundo álbum do Cream e de repente deu o estalo. Liguei o laptop na tomada, sentei-me em frente à TV e comecei a escrever essas linhas. E de certa forma me veio à mente o primeiro desafio – entre dois power trios do rock and roll. Mas quais?

Sem dúvida, Cream é um deles. E a comparação caberia com quem? Pensei no Rush, mas acho que aí seria covardia – contra os canadenses, que adoro. Então vamos de Cream versus Jimi Hendrix Experience. Afinal, foram grupos de curta duração, fizeram parte do mainstream durante praticamente a mesma época e tinham músicos de grandíssima estirpe: dois dos quais se respeitavam e admiravam mutuamente – Eric Clapton e Jimi Hendrix.

Então vamos ao desafio, lembrando sempre que é um exercício despretensioso de colocar frente a frente bandas e artistas de suma importância na música. Bem... alguns nem tanto.

DISCOS

Em matéria de trabalhos em estúdio, o Experience de Jimi Hendrix leva ligeira vantagem sobre o Cream. O guitarrista de Seattle e seu grupo tiveram dois trabalhos realmente avassaladores – “Are You Experienced?” e “Axis: Bold As Love”. O Cream teve em “Disraeli Gears” seu grande sucesso de vendas. Mas, no geral, os dois grupos produziram álbuns muito, muito bons.

Neste primeiro item, o Experience levou vantagem por meio ponto.

GUITARRISTAS

É difícil pôr em confronto dois guitarristas que eu adoro desde criança. Clapton é fantástico. No Cream, então, era sublime com a Gibson Les Paul e seus acordes blueseiros desde sempre me fizeram ser um fã seu. Hendrix era animal, tirando todos os barulhos possíveis e imagináveis de suas Fender, tocando como um destro e usando a alavanca de distorção como nunca visto na época. Se Jimi tinha isso como arma, Clapton introduziu no blues e no rock o wah wah pedal, que em canções como “Tales Of Brave Ulysses” e “White Room” entrou para a história da música.

Como cantores, deixavam a desejar. Hendrix sabia que este não era o seu forte, mas tinha musicalidade, assim como Clapton – cujo grande defeito no Cream era a timidez. Mas isso não o impedia de brilhar, especialmente em “Crossroads” na versão definitiva do trio britânico.

O veredito é limpo e claro: empate entre essas duas feras do rock.

BAIXISTAS

Gosto também dos dois. Jack Bruce é de formação clássica, foi criado no jazz e tinha a música hindu como influência, tem mais “pegada”, presença de palco e canta muito – mesmo com a voz baleada pelos excessos dos anos 60, ainda mostrou o que sabe nos shows de reunião do Cream ano retrasado. Redding é discreto, ao estilo John Entwistle (The Who), sabia com quem e com o que estava lidando, mas nunca foi capaz de suportar a pressão de pertencer ao grupo de Jimi Hendrix.

Em dados momentos, suas linhas de baixo chegaram a ser refeitas pelo guitarrista, mas isso nunca o comprometeu como músico. Porém, é inegável que Bruce representou muito mais para o seu grupo do que Redding – posteriormente substituído por Billy Cox.

Vantagem para Jack Bruce e o Cream, por um ponto sobre o Experience e Noel Redding.

BATERISTAS

Muito difícil falar desses dois: Ginger Baker e Mitch Mitchell. Aliás, entre os seis não há um de quem não goste. Mas aqui a parada é tão duríssima quanto entre Hendrix e Clapton. Se por um lado admiro Baker pela sua “levada” característica de evidente influência afro, Mitchell no auge era um demônio, formando uma cozinha bem respeitável para os solos de Hendrix.

No Cream, Baker era meio que vítima da guerrinha de egos que culminou com o fim do grupo em 1968, porque tinha que seguir os improvisos de Bruce e Clapton – e cada show era uma guerra interminável deles, sobrando pouquíssimo espaço para as composições do ruivo, entre elas “Toad”, a precursora da “Moby Dick” de John Bonham. Mitchell não fez uma composição de solo de bateria, mas tinha liberdade para tanto e quem viu o show de Woodstock e a instrumental “Jam At The Back House” sabe do que estou falando.

Adivinhem? Aqui, deu empate.

MÚSICAS

Hendrix era do tipo “viajandão” e criava mais em cima de improvisos, mas fez letras e músicas absolutamente sensacionais, como “Purple Haze”, “Fire”, “Voodoo Chile”, “Foxy Lady”, “Are You Experienced?” e outras. E fez misérias em canções que não eram dele, como “Hey Joe”, “All Along The Watchtower”, “Like a Rolling Stone” e até em “Star Spangled Banner”, o hino nacional americano.

Todavia, o Cream apresenta uma série de composições de muito respeito, como “We’re Going Wrong”, “Tales Of Brave Ulysses”, “I Feel Free”, “Badge”, “Sunshine Of Your Love”, “World Of Pain” e tantas outras que deixaram um legado fantástico para o blues e o rock and roll. Também na hora de interpretar músicas de outros artistas, Clapton, Bruce e Baker arrasavam. Ou seja, aqui qualquer comparação entre o Cream e o Experience é simplesmente imprevisível e impossível.

Nem preciso dizer: empate, de novo.

SHOWS AO VIVO

Evidentemente que me baseio no pouco que vi de ambos os grupos. O Cream nunca se preocupou em reproduzir 100% do que fazia em estúdio. Hendrix e o Experience, tampouco. Foram duas bandas e seis artistas que se esmeraram no exercício das “viagens” musicais, com solos, improvisos e performances que entraram para a história. Hendrix tem como o melhor registro ao vivo com o Experience o show do Monterrey Pop Festival.

O Cream leva ligeira vantagem: tem apresentações simplesmente espetaculares em 90% dos seus concertos ao vivo, inclusive no Farewell Concert do Royal Albert Hall, em 1968 – que tenho em DVD. E estou excluindo a maravilhosa apresentação de Jimi Hendrix em Woodstock única e exclusivamente porque NÃO FOI com o Experience, embora o locutor do festival diga que sim.

Ligeira vantagem para o Cream, por meio ponto.

CONJUNTO DA OBRA

Nenhum dos dois grupos durou o suficiente para criar uma sólida carreira. O Cream ficou apenas três anos nas paradas, assim como o Experience. O power trio britânico encerrou suas atividades em 1968 e o Experience pereceu um ano depois, porque Hendrix cedeu às pressões que solicitavam músicos negros em seu grupo e também pelo fato de que o guitarrista estava buscando novos horizontes e a expansão de sua música, vide o malfadado projeto “Sky Church”. Mas se duraram pouco neste planeta e Hendrix morreu prematuramente em 1970, pelo menos suas músicas ficaram para a eternidade.

Ainda tivemos o privilégio de ver o Cream reunido 37 anos depois de anunciada sua dissolução para shows épicos no Royal Albert Hall (o mesmo palco da despedida!) e no Madison Square Garden. Dos quatro sobreviventes – já que Noel Redding também morreu – o único que desenvolveu uma carreira solo respeitável foi Eric Clapton, sem deixar de cometer aqui e alhures alguns deslizes em seu repertório. Mas nunca se deve desprezar Bruce, Baker e Mitchell. Tampouco esquecer Hendrix e Noel Redding, o que, aliás, seria uma enorme injustiça cometida pelo escriba.

No fim das contas, para não cometer mais injustiças, o empate geral está decretado. E viva o bom e velho rock and roll!

2 comentários:

Anônimo disse...

Mattar,
Hoje em Congonhas eu conversava com o Nando, baixista do Roupa Nova e Tricolor, a quem conheço desde meus 16 anos de idade sobre os bons baixistas e o um dos álbuns que el mais gosta é esse do J. Hendrix, é justamente este.

Alessandra Alves disse...

mattar, que ótimo post, que bela idéia! não sou grande conhecedora dos dois, mas sua crítica de leigo está ultra-bem embasada. do hendrix, minha preferida é "little wing". do clapton, sem dúvida, a instrumental "layla", que teria sido composta para a mulher de george harrison, que o trocou pelo clapton. sempre achei algo indefensável alguém trocar um beatle por qualquer outra coisa, mas releve-se: george, naquela época, só queria saber de hare, hare, krishna, krishna...