segunda-feira, 16 de abril de 2007

Mea culpa

Não, não se trata de uma confissão de culpa.

Pelo menos da minha parte.

A expressão em latim é o título de um dos melhores livros lançados nesse ano. A quebra do silêncio que permeava a vida de um dos homens mais comentados dos últimos 30 anos, que se envolveu num dos crimes mais rumorosos deste país.

Refiro-me à Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street.


Doca Street: o recomeço após a condenação e um livro sensacional

Hoje perto de completar 73 anos, Doca reuniu toda a coragem que lhe foi possível para contar toda a história que o levou a matar, com quatro tiros, Ângela Diniz - a Pantera de Minas - com quem tinha um caso que praticamente acabou com seu segundo casamento.

Foi uma relação frenética, marcada pelo coquetel que embalava o grand monde dos endinheirados nos anos 70: sexo, álcool e muitas drogas - principalmente maconha e cocaína. Para acabar com o bode, champagne Veuve Clicquot e suco de laranja de manhã. Era esse o combustível de uma paixão proibida - porque Ângela era amiga da esposa do Doca, a milionária Adelita Scarpa - e avassaladora.

Mas que como todo caso assim, acaba mal. Muito mal. Em 30 de dezembro de 1976, na casa em que estava em Búzios, os dois tiveram uma discussão. Ângela teria chamado Doca de corno e dito que para continuar com ela, teria que dividi-la na cama com outras mulheres e outros homens. Derrubou a pasta do amante e a pistola dele caiu. Doca pegou a arma e atirou. E matou Ângela.

Fugiu, mas entregou-se. Preso, foi julgado no Fórum de Cabo Frio - pois Búzios ainda era um distrito da cidade litorânea - em 1979. Defendido por Evandro Lins e Silva, Doca foi condenado a apenas dois anos, com direito a sursis e sob a alegação da "legítima defesa da honra", depois de um embate histórico entre o lendário jurista e um de seus grandes pupilos - Evaristo de Moraes Filho, pela acusação.

Saudado como herói, Doca ficou muito pouco tempo em liberdade. Tentou retomar a vida normal, trabalhando em São Paulo vendendo carros, já que se desligara de sua empresa que construía pontes e silos - a Brasilos, para se envolver com Ângela. Mas o primeiro julgamento foi anulado e uma nova sentença seria anunciada, em 1981 - novamente em Cabo Frio.

Desta vez, ele desceu à condição de vilão. As feministas, criadoras do movimento Quem ama não mata - que originou na época uma minissérie de muito sucesso na TV Globo - pediam a condenação expressa de Doca, acusado a reboque de seu crime de ser gigolô, playboy e traficante.


Doca matou, sim. Merecia ser punido, sim. Mas não era nem gigolô e traficante. Muito menos playboy, pois como já dito, tinha seus próprios negócios e no pouco tempo de liberdade, nunca deixou de trabalhar.

Foi condenado, enfim, a 15 anos de prisão. E durante trinta meses, cumpriu a pena em regime fechado, na Frei Caneca, onde era protegido dos criminosos da maior facção do Rio de Janeiro, a Falange Vermelha. A família dele tinha também excelentes relações com o falecido bicheiro Castor de Andrade. E tamanha influência permitiu a Doca Street ter um mínimo de conforto, que incluía televisão na cela, ventilador, boa comida e água quente no chuveiro. E não só para ele: todos os seus protetores usufruíam das regalias.

Daí em diante, passou a regime de prisão semi-aberta e graças à condicional, podia trabalhar e dormir em casa, já vivendo com Marilena, sua terceira esposa. Mas nada de bobagens, senão a porta da cadeia era a serventia da casa. A pena expirou há 10 anos, e mesmo depois de tanto tempo, Doca confessa que não consegue tirar da memória a cena de Ângela estirada no chão frio de uma casa de praia, sem vida.

O livro, escrito a pedido de seu filho mais velho - e que por iniciativa de Doca Street seria um depoimento a Fernando Morais, que por problemas de agenda, recusou o trabalho (mas depois leu emocionado os originais, de uma só levada) - é uma espécie de libertação de um fantasma que insiste em acompanhá-lo não só desde 1976, mas com certeza desde que se deixou encantar por uma jovem morena que se dizia "bonita, rica e boa de briga."


De fato, ela era tudo isso. Só que naquela véspera de fim de ano, não teve nem como se defender.

2 comentários:

Luly disse...

Boa dica de leitura;)

Anônimo disse...

Como dizia minha avó: "o sujeito pode ter sido um canalha por toda a vida, mas a velhice torna todos dignos". Ele explicou no livro o desaparecimento daqiela francesa (não lembro o nome agora), que supostamente teria sido o pivô da discussão? Oficialmente ela teria caído de um penhasco em Búzios e o corpo jamais encontrado. Este sumiço teria, por acaso, alguma coisa a ver com essa amizade com o Castor?