domingo, 18 de março de 2007

Obrigado, Moco!


Há exatos 30 anos, o automobilismo brasileiro perdeu de forma trágica um campeão mundial de F-1 em potencial.

Num chuvoso 18 de março, em 1977, José Carlos Pace, o inesquecível Moco, teve a vida ceifada num acidente de avião, no qual também pereceu o amigo e companheiro Marivaldo Fernandes.

Aquele início de campeonato tinha sido muito bom para Pace. Ele chegara em segundo no GP da Argentina, mesmo com uma virose que o fez perder quatro quilos dentro do carro. Liderou em Interlagos no GP do Brasil, antes de bater na curva 3, vítima do péssimo asfaltamento da pista naquele trecho. E quebrou na África do Sul quando estava entre os primeiros.

A Brabham, depois de um ano penoso com o motor Alfa Boxer de 12 cilindros - o mais potente da época com 520 HP, parecia no caminho certo. Muitos dizem que o sonho do título era bem possível e que Bernie Ecclestone, que investiu suas fichas em Moco, sentiu muito a trágica perda.

Mas a história da carreira de Carlos Pace começou realmente bem antes.

Em 1963, com 19 anos de idade, já com carteira de motorista, ele tinha um DKW e o inscreveu para uma prova de Estreantes e Novatos. O carro foi muito bem preparado por Sérgio 'Cabeleira' e o desempenho do jovem Moco (corruptela para ouvidos moucos) agradou plenamente a Luiz Antônio Greco, que lhe ofereceu um Gordini e a chance de entrar em sua escuderia. Ele não teve dúvidas: deixou o DKW de lado e foi estrear pela equipe do Trovão.

Rapidamente, Pace se tornou piloto do "primeiro time" de Greco, onde figuravam Wilson Fittipaldi Jr., Bird Clemente e Luizinho Pereira Bueno. Mas, num belo dia, o piloto deu adeusinho e foi guiar os Karmann-Ghia Porsche de Paulo Goulart, da equipe Dacon.

Com os KG, Moco mostrou velocidade e genialidade tendo Totó Porto como fiel parceiro. Os dois eram muito rápidos e se completavam. Ele também andou de Fórmula Vê, guiando o lendário Aranae construído por Alexandre Guimarães.

A Dacon infelizmente teve curta duração no automobilismo brasileiro e em 1969, Moco assinava com a Jolly-Gancia. O brinquedo que lhe foi entregue era avassalador: a Alfa Romeo P-33, que dividiu com Marivaldo Fernandes. Com o protótipo, de 2 litros de capacidade cúbica e mais de 260 HP, Moco quebrou diversos recordes de pista, deitou, rolou e mostrou que era o melhor piloto em atividade no país. Obviamente, foi campeão brasileiro e em 1970 foi para a Europa.

No início daquela década, ele correu na Fórmula 3 inglesa, acompanhado de Wilsinho Fittipaldi e Fritz Jordan. A bordo de um Lotus, Pace provou que não ficava em nada a dever em relação aos ingleses, como Bev Bond e Dave Walker, que tinham o privilégio de pertencer ao Gold Leaf Team Lotus. Havia três campeonatos em disputa na época e o brasileiro venceu, de forma dramática, o Forward Trust, debaixo de chuva e neve, no veloz circuito de Thruxton.

Contudo, a carreira de Moco no exterior esteve seriamente ameaçada. Não fosse a intervenção de Abílio e Alcides Diniz, o piloto não teria conseguido o apoio do Banco Português do Brasil. Com o patrocínio, ele conseguiu subir para a F-2, na equipe de Frank Williams.

Com um equipamento limitado (March), o brasileiro brilhou e chamou a atenção de ninguém menos que Enzo Ferrari, quando venceu de forma magistral uma prova realizada em Imola. Pace foi chamado para uma reunião com o capo di tutti capi. Levou Chico Rosa a tiracolo e durante a reunião pintou um convite e tanto: pilotar os Esporte-Protótipo da casa de Maranello no Mundial de Marcas.

Àquela altura, Moco não estava comprometido com nenhuma equipe de F-1. Mas em 31 de dezembro de 1971, assinou contrato para correr mais um ano com Frank Williams - agora na categoria máxima, a bordo de um March de segunda mão reprojetado por Ron Tauranac.

Com uma "cadeira elétrica" daquelas, Pace fez onze corridas no ano e logo em sua segunda aparição, marcou um ponto no GP da Espanha, em Jarama. Na prova seguinte, em Nivelles, na Bélgica, fez mais dois e tornou-se piloto graduado. Ambas as provas foram ganhas por Emerson Fittipaldi.

Como seu contrato não previa exclusividade na F-1, Moco assinou com a Shadow para correr na Série Can-Am com o difícil protótipo MKIII dotado de um motor Chevrolet de capacidade cúbica e potência monstruosas. Não raro, as quebras se sucediam e o brasileiro literalmente ficava na mão. Até conseguiu um pódio e um quarto lugar, resultados excelentes em razão da fragilidade do equipamento.

Ainda nesse ano de 72, estreou pela Ferrari nos 1000 km da Áustria, chegando em segundo fazendo dupla com Helmut Marko, na mesma corrida que teve a participação do Porsche da Hollywood com Luizinho Pereira Bueno e Tite Catapani - jogado para fora da pista, ironicamente, por Marko. Pace correu também em Watkins Glen com o Gulf Mirage-Ford e chegou em quarto.

No fim do ano, assinou com a Surtees e logo na estréia foi segundo numa prova extracampeonato. No Torneio Brasileiro de F-2, também ao fim da temporada, Moco chegou a vencer uma das três rodadas duplas com o Surtees TS15, com direito a recorde da pista e atuação magistral.

Ele pensara que a sorte lhe havia sorrido, mas o Surtees de F-1 era muito ruim, outra "cadeira elétrica". Os pneus Firestone não davam aderência e a suspensão do carro invariavelmente quebrava ou entortava, tornando a vida do piloto um imenso martírio.

De súbito, o TS14 tornou-se competitivo e em duas pistas em especial, Moco pode mostrar a todos o quanto era bom: chegou em quarto no Nordscheleife de Nürburgring, com suas mais de 180 curvas e 22 km de extensão, batendo o recorde da pista. E na Áustria, em Zeltweg, cravou o primeiro pódio, também com direito à volta mais rápida.

No Mundial de Marcas, Pace não venceu corridas, mas esteve muito próximo, quando chegou em segundo na sua primeira - e única - aparição nas 24 Horas de Le Mans.





Moco lutou mas não venceu a Matra em Le Mans, 1973

Em 74, ainda na Surtees, o piloto começou bem o ano, com o quarto lugar no GP do Brasil e um incrível segundo tempo nos treinos do GP da África do Sul. Mas com aquele péssimo carro, foi tudo o que ele pôde fazer. Pace descarregava a tensão correndo - e vencendo - provas da Divisão 1 com o Maverick da equipe Mercantil-Finasa do Trovão Luiz Antônio Greco, quando pintou a chance de trocar a Surtees pela Brabham, graças à intervenção de Bernie Ecclestone, que sabia reconhecer as capacidades do bom piloto. E Moco não era apenas bom: era completo.

O início na nova equipe foi claudicante, mas logo Pace pegou a mão do carro e conseguiu um quinto lugar em Monza, fechando o ano com chave de ouro, comemorando os 30 anos de idade com um segundo lugar em Watkins Glen, no dia em que Emerson Fittipaldi foi bicampeão do mundo.

Naquele fim de semana, Moco teve uma visão: enquanto dormia, acordou com a imagem do pai na cabeça, dizendo-lhe: "livre-se da seta para baixo, filho. Ela não te leva a lugar algum". Explico: o capacete dele tinha três setas, duas laterais e uma na parte de cima, apontada para baixo. Assustado, Pace não teve dúvidas - livrou-se do desenho com uma gilete. Com o capacete raspado, guiou muito em Glen.




26 de janeiro de 1975: a glória em Interlagos




1975 foi seu melhor ano na F-1, com a vitória histórica em Interlagos, pole na África do Sul e pódios na Inglaterra e em Mônaco. O sexto lugar, com apenas 24 pontos somados, não refletiu seu potencial e a boa campanha da Brabham, com o lendário BT44 concebido por Gordon Murray. No ano seguinte, com apenas sete pontos somados, Moco teve mais um ano infeliz. Mas nada o abalava, nem mudava o seu jeito de encarar as coisas.



O último carro de Moco - a Brabham Alfa BT45

"Prefiro me adaptar ao carro do jeito como ele está. Vou de pé embaixo e dou tudo porque pelo menos assim não largo na última fila", era o que ele dizia sempre depois que as coisas não iam bem.

E quando tudo se encaminhava para uma disputa de título, veio a morte trágica aos 32 anos de idade.

Perdemos um bota da maior qualidade. Mas a saudade ficou e é eterna.

Obrigado, Moco!

6 comentários:

Gustavo Castro disse...

Não vivi na época de Moco, então o que falarei pode soar óbvio e que todos que acompanham o automobilismo sabem. Pace pelo que li, era um excelente piloto, mas pelo que li, o que faltava um pouco era regularidade. Pena que morreu, se o Eclestone investiu pesado nele, ele tinha que ser um bom piloto, pois Bernie não dá ponto sem nó. Eles tinham uma grande amizade, e certo dia, após a não satisfátoria temporada com o Motor Alfa, Moco chegou para o Bernie e disse que não correria mais pela Brabaham, Bernie sabia que ele ia mudar de idéia, pois Pace era muito emotivo

Anônimo disse...

Maravilha de texto Mattar!
Mas não acredito que ele brigaria pelo titulo em 77 ,o motor quebrou muito durante o ano, talvez em 78 quando a dupla Brabham-Alfa fez seu melhor campeonato,mas tinha a Lotus 79 né!

Jonny'O

Anônimo disse...

quem sabe...se o pace não tivesse morrido em 77, poderia ter feito um bom campeonato em 78, só atrás das lotus...e se continuasse na equipe, a carreira do piquet fosse acontecer numa outra...
bons tempos em que um piloto top de f1 podia correr com protótipos, turismo, etc...

Anônimo disse...

Tenho em Super 8mm a vitória do Moco em Interlagos (filmado pessimamente por mim), e em 73, se a MATRA tivesse perdido para a Ferrari do Moco / Merzário, eu teria ficado alegre com a derrota dos meus protótipos prediletos.

Hurricane disse...

Realmente un gran piloto, por esas cosas del destino no pudo llegar a lo máximo. Coincido en que los años siguientes también le hubiesen sido complicados para obtener el título.

Rodrigo Mattar disse...

Hurricane, que será que Carlos Reutemann pensaba acerca de Moco como piloto y como persona? Probablemente los dos tuvieron un excelente periodo como compañeros en Brabham, mismo cuando no lograron grandes resultados, como en la temporada de 1976.
Un gran saludo a usted!