quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O tricampeonato dele mesmo



Exatos vinte anos atrás, em 30 de outubro, uma sexta-feira, estava eu no Méier - mais precisamente no Colégio Martins, no intervalo entre um dos seis tempos de aula da então oitava série. Como sempre, um grupinho se juntou para conversar sobre Fórmula 1 e um deles mandou a notícia, de chofre:

"Você sabia que o Piquet já é campeão?"

Claro que não sabia. Vibrei com o que ele me dizia, e ao mesmo tempo buscava as contas na cabeça. Matematicamente, ele não era - ainda. Mas quando este mesmo amigo disse que o Mansell não iria correr nem no Japão, nem na Austrália, aí pudemos comemorar.

É... duas décadas já se passaram. E este é um tricampeonato pouco lembrado pelos fãs do automobilismo - o que é uma pena, mas não surpreende porque o personagem é Nelson Piquet, pouco afeito à badalações, pachequismos e puxa-saquismos.

Nelson que perdera o campeonato de 1986 por detalhes e também porque a equipe se dividiu em duas - Williams I, para ele; Williams II, para Nigel Mansell, o veloz e idiota piloto inglês que teve o pneu explodido em Adelaide quando caminhava para o título.

A campanha de Piquet em 1987 começou bem: segundo em Jacarepaguá, após uma parada prematura nos boxes para retirar papeletas jogadas pela torcida. Prost venceu, Mansell foi quinto e Senna quebrou.

Aí veio o treino para o GP de San Marino, onde o piloto da Williams bateu violentamente no muro da curva Tamburello, de traseira, a mais de 200 km/h. Com traumatismo, ele não correu. Mansell venceu e Senna foi segundo. Piquet mal sabia que aquele acidente iria lhe trazer conseqüências sérias no futuro. O piloto, que dormia horas profundamente, passou a ter insônia. Perdeu a noção de profundidade e também segundo seus próprios cálculos, ficou meio segundo mais lento que os adversários. Tudo em razão da porrada.

Ele abandonou na Bélgica, na mesma prova onde Mansell e Senna saíram na porrada (literalmente) e Prost igualou as 27 vitórias de Jackie Stewart. Com apenas seis pontos somados, Piquet precisava voltar à saga dos bons resultados.

Foi segundo de novo em Mônaco, no circuito de rua que mais detestava correr. E em Detroit, deu show caindo para último e chegando (de novo) em segundo, após uma antológica ultrapassagem em Alain Prost e outros dois retardatários - Pascal Fabre e Jonathan Palmer.

Na França, bateu seguidas vezes o recorde da volta, mas Mansell estava um demônio e venceu. Tal qual em Silverstone, onde Piquet tentou fazer a corrida sem trocar pneus e o britânico, guiando feito um possesso, fez uma manobra sobre o brasileiro que entrou para a história da Fórmula 1.

Depois de cinco segundos lugares, era hora de vencer. E no GP da Alemanha, onde apenas seis completaram - sendo que Senna se arrastava com falta de gasolina e Johansson cruzou em três rodas, Piquet enfim ganhou.

Sem uma boa dose de sorte, não se faz um campeão. Na corrida seguinte, em Hungaroring, ele caminhava para mais um 2o. lugar quando - ora vejam! - uma prosaica porca da roda se desprendeu da Williams de Mansell, que liderava. O britânico perdeu uma corrida ganha e Piquet, com a danada da sorte ao seu lado, ganhou de novo e voltou ao páreo, somando 48 pontos àquela altura.

Na Áustria, outra prova inesquecível, com três largadas e uma cena incrível: uma montoeira de carros batidos, lembrando um dérbi de demolição. Neste GP, Piquet não teve tanta sorte, pois numa das largadas a embreagem do carro de Mansell quebrou. Ele foi para o carro-reserva - acertado pelo brasileiro - e venceu de novo, com Nelson em segundo.

No caminho para o pódio, ele aprontou mais uma das suas: não avisou a Mansell para abaixar a cabeça e... TUM! O britânico deu com a testa numa passarela de concreto, indo para a coletiva com um enorme galo e um saco de gelo cobrindo o local.

Nesse meio-tempo, o brasileiro testava exaustivamente o FW11B dotado de suspensão ativa, o que Mansell nunca fez. Piquet deixou o carro ao seu jeito e com ele foi para o GP da Itália.

Monza marcou a terceira vitória de Piquet na temporada, numa pista onde ele sempre foi rápido e competitivo. Mansell e Senna não foram páreo para ele e a torcida, em delírio, gritava a uma só voz "campione! campione" para o brasileiro.

Em Portugal, com problemas de equilíbrio, Nelson limitou-se a ser terceiro. Além do mais, teve que voltar ao carro "antigo" porque a Williams quis equilibrar as coisas entre ele e Mansell, que não queria andar com a suspensão inteligente.

A corrida foi dominada por Gerhard Berger, revivendo os grandes tempos da Ferrari. Mas o austríaco rodou e perdeu a vitória para Alain Prost, que assim alcançou 28 vitórias na F-1, tornando-se o solitário recordista na época.

Na Espanha, Piquet tinha condições de ser campeão, mas fez uma corrida péssima, cheia de erros, além de encontrar a férrea resistência de Ayrton Senna - a quem chamara no ano anterior de "freio de mão" por prendê-lo no GP de Portugal. Nelson foi apenas quarto e Mansell venceu. A decisão estava adiada pelo menos até o México.

Uma vitória bastava para o título e Piquet largou bem. Só que Alain Prost - "um idiota" - bateu no brasileiro, que rodou e caiu para último. Quis o destino que Derek Warwick destruísse sua Arrows na curva Peraltada, provocando bandeira vermelha, a interrupção da prova e a divisão dela em duas metades. Nesta segunda metade, Piquet guiou como nunca e recebeu a bandeirada na frente. Mas na soma dos tempos, vitória de Mansell. Placar do campeonato: Piquet 76 pontos (73 com descartes) x Mansell 60.

E veio o GP do Japão, onde já nos treinos livres, Mansell sofreu um acidente na seqüência de esses após a curva 1. A Williams bateu na barreira de pneus, ricocheteou no ar e caiu. Com um esgar de dor, Mansell estava nocauteado. Ao entregar os pontos e voar imediatamente para seu refúgio na Ilha de Man, fez de Piquet tricampeão.

O brasileiro teve o motor quebrado em Suzuka e problemas de freios em Adelaide. Uma despedida até certo ponto melancólica do campeonato e da Williams - ainda que com um travo de vingança, pois além do título, Piquet assinara um contrato com a Lotus que lhe garantia ser o mais bem pago da época - além de manter na equipe de Norfolk os motores Honda.

Mal sabia ele o que teria pela frente em 1988...

Bom... hoje o que interessa é lembrar que há duas décadas o Brasil tinha o seu primeiro tricampeão mundial de Fórmula 1, que numa entrevista histórica à saudosa revista Grid não deixou por menos.

"Dedico o título a mim mesmo."

Como se este não fosse Nelson Piquet Souto Maior.

12 comentários:

Anônimo disse...

Não me lembro do caso no Mansell e Senna saindo no tapa. Tem no Youtube?

Ludimar Menezes

Anônimo disse...

Mestre Mattar!! Escreveu tudo!!!
Parabéns Nelson Piquet (diria: "O Cara").
...Faz tempo, mas para mim, estará sempre na memória este tricampeonato (e todo o seu legado).

Anônimo disse...

Nem fale de 88, aquela Lotus 100T, "batizada" pelo genio (do mal, diga se de passagem) e pelo Ducarouge, e que de acordo com o proprio Piquet, aquele carro não dava acerto de forma alguma, o chassi era "mole", torcia e não suportava a força e as vibrações do RA168E, aquele fantastico motor Honda de 1988, falhas estas que depois foram comprovadas em 1990 pelo Jackie Stewart em testes com este carro, feito para um video dele

Anônimo disse...

Pra não deixar duvida;
genio do mal voces sabem quem é, o mesmo que uma emissora e seu locutor principal insistem em colocar num altar inatingivel.

Genio, do bem e gente mesmo, é Piquet, um cara brincalhão, falastrão, soube curtir bem a vida, enfim, as vezes ele se excede, mas é uma personalidade que faz falta na F1 atual, ganhou "trofeu lemon" dos jornalistas porque nunca foi marqueteiro e falso

Grande Piquet !

Anônimo disse...

Cara, que incrível coincidência, pois fiquei sabendo da notícia do tri do Piquet da mesma forma que você. Na escola e dita por um amigo. Mal pude acreditar mas lembro que fiquei extasiado e aliviado apesar de ter um dia inteiro de aula pela frente. O desfecho pode não ter sido tão heróico como nos outros dois anteriores mas algumas performances dele, como no GP de Detroit, foram antológicas. A ultrapassagem sobre 3 carros ao mesmo tempo, sendo um deles Prost, está entre as minhas preferidas.
Lembro do Nelson ter duvidado da intensidade das dores de Mansell e acusado o leão de amarelão. Concordo plenamente.
Abraço
Kowalski

Anônimo disse...

Eu me amarro nesses posts em que se relembra grandes momentos da historia do esporte brasileiro sem ter que falar mal de ninguém e sem ter que puxar saco do protagonista (s) da façanha.
Por motivos que não vem ao caso, só acompanhei Piquet em seu calvario á partir da Lotus, mais pelo que eu pesquiso e leio, foi mais um craque do automobilismo brasileiro.

Anônimo disse...

Recordar é viver e reviver emoções desse nível é inesquecível. É irônico saber que na única oportunidade em que realmente possuía o melhor carro disparado o Nelson foi boicotado pela sua equipe. Somente um sujeito com tamanho equilíbrio conseguiria dar a volta por cima como ele fez. O Alonso está aí para provar como o feito do Piquet foi espetacular (mais um).

Bom feriado ao grande amigo jornalista dono desse querido blog.

Wallace Michel

Pezzolo disse...

O desafio
Estou fazendo um desafio aos blogueiros de plantão.

A pergunta é:

" Se você fosse o Fernando Alonso, o que faria em 2008?"

a resposta deve ter no máximo 6 linhas e ser enviada até domingo para o meul email- jorgepezzolo@uol.com.br

Conto com sua participação! pode especular a vontade! Mandei para os blogs abaixo o convite, mas se o seu não está na lista, pode responder também, colocando o nome do blog que representa!


Lista de blogs participantes:

Blig do Gomes
Blog Alessandra Alves
Blog do Capelli
Blog do Ico
Blog do Lívio Oricchio
Blog do Téo José
Blog F1
Blog F1grandprix
Blog Fábio Seixas
Blog Victal
Café com F1
Continental Circus
F1 Girls
Formula 1 PodCast
Grünwald
Laje de Imprensa
Bruno Vicaria
Mundo aos Rolamentos
Pandini GP
Saco de Gatos
Velocidade
Voando Baixo

Anônimo disse...

Fantástico, um excelente piloto sem aquela aura de querer ser um messias. E a frase define o tricampeão.
Mas tenho que admitir que ele foi muito pretensioso. Dedicar o título a si mesmo foi um pouco exagerado... Como se não houvessem engenheiros que trabalharam no carro, projetistas, japoneses por trás do motor, empresas com investimentos pesados no carro, e chefe de equipe competente.

Anônimo disse...

Disse tudo Mattar.
Grande Nelson Piquet!

Jonny'O

Anônimo disse...

O abandono de Piquet pouco interessou para o piloto. A conquista aconteceu na sexta.
Piquet saiu por cima e Mansell e toda tropa da Williams perderam.
Saudades daquele ano!!!
Parabéns pelo Tri, Piquet!!!
É muito lindo o Williams FW11B Honda Turbo!!!



Fábio Kawagoe

Cesar disse...

Só no Brasil o Piquet é endeusado, no mundo inteiro ele é muito mal visto, principalmente na Inglaterra, por causa de sua briga com o Mansell e com James Hunt.