Eles quase se chamaram "Dionisius", mas o quarteto formado por Ray Manzarek, Robbie Krieger, John Densmore e Jim Morrison ficou para sempre na história da música como "The Doors".
Batizado assim graças a Jim, então estudante de cinema na UCLA e companheiro de sala de Ray Manzarek, que já era músico, o grupo tomou emprestado o nome do título de um livro de Aldous Huxley: "The Doors of Perception", por sua vez também cooptado dos versos do poeta William Blake, um dos ídolos do jovem Jim, então com 22 anos.
Os dois se juntaram a Robbie Krieger, um guitarrista com formação erudita e flamenca e a John Densmore, baterista e percussionista estudioso de jazz e suas vertentes, e começaram a ensaiar. Quando já tinham um repertório bem razoável, passaram a tocar com freqüência nos clubes da Sunset Strip em Los Angeles - em especial no Whisky A Go Go.
Na época, os Doors já se notabilizavam por sua formação pouco usual: vocal, guitarra, teclados e bateria / percussão. O baixo era executado por Ray Manzarek, através de overdubs tocadas num Fender Rhodes Bass Keyboard. Em outro órgão, ele fazia as linhas de teclado. Muita gente ironiza e diz que o som tirado por ele era de 'órgão de churrascaria' - uma heresia para os fãs do grupo. Mas em estúdio, eles tocavam com baixistas contratados - tiveram pelo menos oito de 1966 a 1972, ano em que a banda encerrou suas atividades.
Os shows da banda no Whisky A Go-Go ficavam cada dia mais concorridos, face às performances de Jim Morrison, que começou cantando de costas para a platéia "por timidez". Arthur Lee, o falecido vocalista do Love, recomendou a banda a Jac Holzman, seu patrão na Elektra Records, que levou consigo para a boate o produtor Paul A. Rotchild e o engenheiro de som Bruce Botnick.
Foi a tacada certeira, pois na noite em que os três foram ao show, Jim Morrison estava especialmente possuído e em "The End", fez uma referência explícita ao Édipo Rei de Sófocles, que terminou com um "mama... I want to fuck you all night, baby". Isso mesmo... "mãe, eu quero foder contigo a noite inteira". Mais edipiano e incestuoso, impossível.
O proprietário da boate despediu a banda no ato e Hozlman, ao mesmo tempo, ofereceu-lhes um contrato. Rotchild dizia que a banda era uma mistura perfeita de Berthold Brecht, Cabaré e Rock and Roll. E não estava errado. A partir daquela noite de 21 de outubro de 1966, os Doors começavam a fazer parte da história da música.
Em apenas três semanas e pouquíssimos takes, eles gravaram as faixas do disco homônimo de estréia, que abria com "Light My Fire" e fechava com o drama de "The End", com longuíssimos 11 minutos. Entre elas, pérolas como "Break On Through", descrita num livro escrito por John Densmore como uma 'bossa nova acelerada'. A inspiração era sublime: as músicas do maestro soberano Tom Jobim.
Quando o disco foi lançado em 1967, a crítica estadunidense curvou-se em júblio porque ali nascia uma ameaça e tanto aos Beatles e Rolling Stones, de origem inglesa. E ao mesmo tempo que os shows traziam energia de sobra e grandes músicas, o comportamento anárquico de Jim Morrison começava a trazer alguns problemas. Ele recusou-se a mudar alguns versos de "Light My Fire" numa apresentação ao vivo do grupo no lendário Ed Sullivan Show da CBS. De acordo com um vídeo que se encontra no YouTube, a performance de Morrison não é tão debochada quanto faz parecer o filme lançado em 1991 por Oliver Stone. Mas o grupo nunca mais voltou ao programa.
Neste mesmo ano, Jim - que já namorava Pamela Courson - teve um romance rumoroso com a jornalista Patricia Kennealy, que era sacerdotisa de uma seita pagã e com quem o cantor teria "casado" com direito a pacto de sangue. Os dois davam um amasso num camarim do ginásio de New Haven (Connecticut) onde o grupo tocaria e ao ser inquirido e coagido por um policial, Jim o desafiou e foi agredido com um spray de pimenta.
No palco, durante a execução de "Back Door Man", o vocalista destilou um show de ironias, o clima esquentou e a polícia não teve outra alternativa: prendeu-o por desacato à autoridade. Libertado sob fiança, ele enfrentava ali o primeiro dos muitos problemas que teria com a polícia e com a justiça estadunidense.
Naquele mesmo ano de 1967, o grupo teve lançado seu segundo álbum, "Strange Days", que tentou repetir a fórmula do anterior: uma música longa no final - "When The Music Is Over" e outras mais curtas, como as sensacionais "Love Me Two Times" e "People Are Strange". Muitos dizem que o grupo a partir daí perdeu sua originalidade, no que eu discordo. Talvez isso tenha acontecido no terceiro disco, "Waiting For The Sun", onde Jim pretendia fazer um som mais 'conceitual' e foi dissuadido de sua intenção quando Paul Rotchild disse que a longa suíte "Celebration of The Lizard" iria lhes trazer problemas quanto à compreensão do trabalho.
Assim foi feito e o trabalho quando lançado teve boa repercussão, mesmo com os shows cada vez mais anárquicos. A gota d'água foi a apresentação no Dinner Key Auditorium em Miami, na Flórida. Bêbado desde a viagem de avião, Jim Morrison extrapolou e ameaçou pôr seu pau para fora diversas vezes durante o show. Muita gente diz que isso aconteceu, outros retrucam que trata-se de lenda. Certo é que a justiça enquadrou o cantor por "atentado violento ao pudor", e como ele era reincidente, foi preso e respondeu o processo em liberdade.
Como conseqüência do destempero do vocalista, os shows dos Doors rarearam. O empresário Danny Sugerman viu-se obrigado a cancelar vários compromissos. Nem para Woodstock, em agosto de 1969, foram sequer escalados. Lançaram o disco "The Soft Parade" naquele ano, flertando com os mais diversos estilos e o grupo não conseguia sair do desvio.
A saída foi optar pela volta às raízes e em início de 1970, concebeu-se o álbum "Morrison Hotel", onde o grupo recuperou o antigo frescor e com canções de forte pegada como "Roadhouse Blues" e baladas ao estilo de "Indian Summer". Mas Morrison continuou bebendo e se excedendo como nunca. Engordou, voltou a deixar crescer uma mefistofélica barba e foi assim, como um pastiche de si mesmo, que ele e seu grupo foram ao festival da Ilha de Wight, se apresentando na noite de 29 de agosto.
Apesar de alguns momentos realmente inspirados durante a apresentação, ficou claro que Jim não tinha mais o fôlego e a energia de outrora. Talvez os dias de glória estivessem próximos do fim.
Entretanto, em 1971 a banda lançava "L. A. Woman", um trabalho problemático que começou a nascer após a volta dos shows no exterior. Descontente com as propostas de letra e música da banda, Rotchild qualificou o repertório como música de coquetel e pediu demissão da Elektra. Bruce Botnick assumiu a produção junto com o grupo e o disco saiu em fevereiro, com destaque para "Riders On The Storm", "Love Her Madly" e a faixa-título. Jim ainda teve fôlego para criar polêmica com "L'America", censurada nos EUA e vetada por Michelangelo Antonioni para a trilha sonora de seu novo filme, Zabriskie Point.
Cansado, Morrison partiu para um auto-exílio em Paris em março, onde pretendia escrever poesias e crônicas. Nunca se falou acerca do fim da banda, mas a 3 de julho de 1971, James Douglas Morrison era encontrado morto aos 27 anos de idade numa banheira vitoriana de hotel. Suicídio? Overdose? Assassinato? Perguntas que até hoje permanecem nubladas pela história que insiste em permanecer inédita.
Ninguém teve acesso ao corpo do cantor, que foi enterrado no cemitério Pére Lachaise, fazendo de sua sepultura a terceira atração turística mais visitada de Paris, depois da Torre Eiffel e do Museu do Louvre. Nestes últimos 36 anos, a quadra onde Jim teve seus restos mortais depositados virou um santuário de fãs dos quatro cantos do mundo e de doidões dos mais variados tipos, que oferecem flores, vinho e uísque - a bebida predileta de Morrison - à beira da tumba.
O que se sabe é que o grupo tentou permanecer na ativa, mas a chama estava praticamente extinta. Os dois discos cometidos até 1972 - "Other Voices" e o infame "Full Circle", foram o triste epitáfio a um grupo que experimentou o ciclo completo de qualquer grupo musical que se preza: ascensão, queda e declínio.
Três décadas e meia se passaram, e o culto aos Doors e suas canções continua. Cada vez mais vivo.
Um comentário:
Nota dez.
Uma belíssima sintese do Doors.
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