Há uma década atrás, se minha memória não falha, eu estava assistindo a transmissão do Grupo de Acesso A do carnaval carioca, na madrugada de sábado para domingo. O dia era 22 de fevereiro. O locutor Paulo Stein anunciara que um prédio localizado na Barra da Tijuca sofrera um desmoronamento: era o Palace 2.
A tragédia abalou o Rio de Janeiro e o país em plena época em que grande parte das pessoas explode em júbilo e alegria. Foram 44 apartamentos abaixo, centenas de pessoas ficaram desabrigadas, houve vários mortos e feridos. A construtora responsável pelo empreendimento era a Sersan, do mineiro Sérgio Naya - que tinha um mandato de deputado, posteriormente cassado.
Dele hoje nada se fala. Provavelmente, com a (in) Justiça que reina neste país, está foragido e / ou esperando responder o processo - se é que existe algum - em liberdade.
Mas uma década depois, ainda há pessoas sofrendo as conseqüências daquele dia fatídico.
A matéria transcrita abaixo foi retirada do Yahoo com informações do jornal O Estado de S. Paulo.
Há dez anos os argentinos Osvaldo e Cecília Benevides não comemoram Natal, réveillon ou aniversários. Vivem num quarto do Hotel Atlântico Sul, zona oeste do Rio, desde que parte do Palace 2 desmoronou, em 22 de fevereiro de 1998, soterrando o filho mais velho, Leonel, todos os equipamentos de trabalho de Osvaldo, técnico em informática, e o apartamento que o casal levou 20 anos para comprar e onde a família morava havia menos de um ano.
Naquela madrugada, sábado de carnaval, o coronel do Corpo de Bombeiros Marco Aurélio Silva desceu ao 2º subsolo, após um tremor acordá-lo. Encontrou um pilar estourado, ferros à mostra. Subiu do 1º ao 17º andar arrombando portas, que emperraram com o abalo. Foi avisado que um técnico da Defesa Civil o aguardava. Quando chegou ao térreo, uma coluna com 44 apartamentos veio abaixo. "Por 40 minutos, não sabia se meus filhos estavam vivos ou não." Descobriu que tinham sobrevivido. Em 2005, combatia incêndio no condomínio Novo Leblon, quando teve uma crise de pânico. "Toda aquela fumaça, e eu pensava que o prédio ia desabar. Tive de me controlar. Hoje me trato com homeopatia", diz Silva, que ficou conhecido como o herói do Palace.
O professor de Física Afonso Ferrario, de 60 anos, e a mulher, Denise Ferrario, sobreviveram a um tornado em Miami, naquele carnaval de 98. Quando voltaram, descobriram que não tinham mais casa. Alugaram apartamento, para onde se mudaram com os filhos. Para equipá-lo, ex-alunos de Ferrario fizeram uma "lista de casamento". "A casa caiu, mas o lar não", era o lema deles.
Denise passou meses revirando escombros, tentando recuperar objetos. A memória familiar foi refeita por parentes e amigos, que entregaram fotos. Mas as idas e vindas do processo na Justiça, a condenação e posterior absolvição do empresário Sérgio Naya, dono da construtora do Palace, "minaram as defesas de Denise", nas palavras de Ferrario. Em agosto passado, contraiu pneumonia, que evoluiu para infecção generalizada. Morreu, aos 51 anos, depois de 105 dias em coma. "Ela se desencantou. Perdeu a crença no País", diz Afonso.
Benevides, Ferrario e Silva são exemplos de sobreviventes do desabamento do Palace, que deixou 8 mortos e 352 famílias desabrigadas - inclusive as do bloco 1. A maioria espera indenizações.
Aqueles que integram a Associação de Vítimas do Palace 2 receberam cerca de 15% do que têm direito. Benevides, que não faz parte do grupo, nada recebeu. "As pessoas não estão agüentando esperar. Nos últimos meses, sete ex-moradores morreram", diz a presidente da associação, Rauliete Barbosa Guedes. Bens de Naya, como hotéis, terrenos e apartamentos, foram leiloados. Mas a Fazenda Nacional e o Banco do Brasil têm entrado com recursos, pedindo o dinheiro para saldar dívidas de Naya. A associação mudou a estratégia e passou a arrematar bens de Naya, abatendo da dívida que ele tem com os ex-moradores. A intenção é negociar os imóveis. Ainda não conseguiu.
A venda do terreno do Palace 2, por exemplo, foi embargada pelos moradores do Palace 1, que querem usar o espaço como área de lazer. "Fizeram uma churrasqueira tosca ali. É inacreditável que queiram fazer de área de lazer o lugar em que minha filha ficou soterrada", revolta-se a médica Bárbara Leão Martins, que perdeu a filha Luiza, de 12 anos.
Quando o prédio caiu, 52 famílias mudaram-se para o Hotel Atlântico Sul. Hoje, ainda há 16 quartos do hotel reservados para ex-moradores do Palace 2. Segundo funcionários, só oito estão ocupados. "Tem gente que refez sua vida, chega aqui de Audi, mas não devolve a chave do quarto. Usa o hotel para veraneio. Tem um que faz o quarto de depósito. Esquecem que somos uma empresa", reclama o gerente Mário Mattos. Segundo ele, Naya não paga diárias há seis anos, e as dívidas ultrapassam R$ 4 milhões.
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