Eu admiro muito as pessoas que não se furtam em dizer a verdade quando preciso.
Daí a minha surpresa com a entrevista do cantor Ney Matogrosso ao Almanaque de Cultura Popular que vim lendo no vôo de volta de Congonhas ao Santos Dumont, na tarde de sábado.
A gente se queixa por coisas tão pequenas e Ney tinha todos os motivos pra se rebelar contra tudo e todos, porque sofreu e sofre até hoje com o preconceito por ser homossexual.
Sair na porrada com o pai por causa disso não é pra qualquer um. Encarar a realidade de peito aberto, idem. Vencer na vida e se consagrar como um dos maiores artistas brasileiros, com 32 anos de carreira, melhor ainda.
O início de tudo veio na formação do grupo Secos e Molhados, uma lenda da música brasileira - principalmente pelo visual andrógino dos seus integrantes - os outros componentes eram João Ricardo e Gerson Conrad - e especialmente pela postura de palco de Ney Matogrosso. Tão sexual e tão ambivalente que agradava da velhinha às crianças, especialmente pelo sucesso "O Vira" (Vira vira vira homem... vira vira... vira vira lobisomem)
Afora a voz com o inconfundível falsete que se tornou sua marca registrada.
Mesmo assim, segundo o cantor, a imprensa descia o sarrafo. "O Jornal do Brasil dizia que eu era um travesti e que, portanto, não podia falar meu nome. E que conversa é essa de que tudo tem que ser igual? Sempre achei esse mundo hipócrita. Aliás, continuo achando", disse.
E isso tudo veio quando o grupo já era um sucesso e estourara em São Paulo pra depois ganhar o Brasil inteiro até o fim de sua efêmera existência, em 1974, quando já tinham entrado para a história ao vender 800 mil cópias de seu único disco - pau a pau com o álbum de Roberto Carlos. A gravadora, pasmem, era a minúscula Continental, enquanto o Rei gravava pela CBS, hoje Sony Music.
Aliás, vocês sabiam que o Kiss tem o visual inspirado nos Secos e Molhados?
O próprio Ney confirma a história quando numa turnê pelo México (o ano ele não soube precisar), ele e os integrantes do grupo foram procurados por um empresário americano que sugeriu uma guinada no repertório da banda - um som mais pesado, mais rock and roll. "Não quero acabar como Carmem Miranda", argumentou o cantor. Meses depois, surgiu o Kiss, com máscaras semelhantes e músicas pesadas como queria o tal empresário.
Ney largou o Secos e Molhados e depois de um primeiro disco massacrado pela crítica, lançou o álbum Bandido em 1976, cujo grande sucesso foi "Bandido Corazón", de autoria de Rita Lee. Desde então, buscando as mais diversas vertentes, Ney se transformou no camaleão de nossa música. Continuou abusando do rebolado, das calças abaixo da cintura, do torso nu, da maquiagem excessiva por muito tempo.
Mas hoje, de cara limpa, já passando dos 60 anos, continua camaleão. Seus últimos trabalhos de estúdio cantando Cartola e agora com a Parede de Pedro Luís, não deixam dúvidas de que Ney de Souza Pereira ainda tem muito a mostrar. E a falar também.
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