quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Desinteresse geral

Em rápidas conversas com um estagiário do Sportv, fissurado em esportes a motor assim como eu, me veio o seguinte questionamento:

Por que não temos uma imprensa forte e especializada em automobilismo?

Os meios nós temos - afinal, o Brasil tem oito títulos mundiais de Fórmula 1, títulos nas 500 Milhas de Indianápolis, na ChampCar, na IRL, na Fórmula 3 inglesa e em diversas categorias espalhadas pelos cinco continentes do planeta.

Além do esporte continuar na ativa por aqui - em que pese a má vontade de políticos e dirigentes e o fato da Stock Car ser a única categoria realmente forte nas nossas plagas.

Engraçado é que em outras épocas não era assim.

Nos anos 60, havia uma cobertura maciça de duas publicações que eram A referência: Quatro Rodas e Autoesporte.

A Quatro Rodas reservava para as últimas páginas a seção "Alta Rotação", onde a Fórmula 1 tinha bastante destaque e nossas provas internas também. Foi através das duas revistas que o leitor da época soube que Emerson Fittipaldi iria para o exterior, além de ver também fotos do Lotus 49 de Jim Clark, o revolucionário protótipo Chaparral de Jim Hall e duas lendas das pistas - o Ford GT40 e o Porsche 917.

Nos anos 70, as duas revistas experimentavam o auge, com ampla cobertura nacional e internacional. Foi aí que proliferou uma geração de jornalistas que se tornou, pelo menos para mim, um incentivo - casos de Marcus Zamponi e de Lito Cavalcanti. Reginaldo Leme trabalhava também em mídia impressa - era repórter do Estado de S. Paulo antes de ir para a Rede Globo. Outros repórteres vieram nessa toada, mas lembrar dos nomes da maioria é difícil (que falta faz uma coleção das duas revistas)...

Foi a época de coberturas históricas, como os dois títulos de Emerson Fittipaldi na F-1, a Copa Brasil de 1970, o Torneio BUA de Fórmula Ford, as Mil Milhas de 70 e 73, os torneios internacionais de F-2 e F-3, as provas de Turismo, de Protótipos, a nascente e atraente Super Vê (que tinha até matéria no Jornal Nacional, garantia de retorno a patrocinadores e concessionárias), enfim... corrida era o que não faltava.

O pique continuou nos anos 80, com a cobertura ainda muito boa e na Quatro Rodas, vários pilotos campeões do mundo assinavam colunas. Emerson Fittipaldi foi o pioneiro, seguido por Jody Scheckter e depois Nelson Piquet - e pensar que hoje qualquer borra-botas de quinta categoria que acelerou um F-1 pode discorrer sobre a categoria com propriedade...

Na época anteriormente citada (os anos 80), o automobilismo nacional ganhou força com transmissões pela TV e o espaço em jornais e até nas rádios era satisfatório. Com a bagunça que culminou com a disputa de apenas três campeonatos nacionais entre 1986 e 1991 (Fórmula Ford, Stock Car e Brasileiro de Marcas), normal que o interesse se diluísse.

E olha que tentativas de fazer revistas voltadas exclusivamente para o público fanático por automobilismo não faltaram. A Grand Prix, lendária publicação dos anos 70, teve poucos exemplares. Morreu e deixou saudades. Muito tempo depois, chegou a Grid, preenchendo uma lacuna que a Quatro Rodas deixara e no vácuo dos títulos de Nelson Piquet em 87 e Ayrton Senna no ano seguinte. A revista deixou de existir em 89, no meio de um campeonato sensacional, por falta de interesse comercial. Ela retornou em 1993, mas seu renascimento durou muito pouco.

Engraçado dizer que automobilismo não vende. Ora, então como se sustentam as bíblias do esporte a motor, a inglesa Autosport e a italiana Autosprint, que dedicam semanalmente extenso espaço a todas as categorias nacionais e internacionais - inclusive já tiveram matérias sobre a Stock Car brasileira.

A única tentativa sobrevivente é a Racing. E num mercado cruel, num momento mais cruel ainda, sem títulos de Fórmula 1 há quinze anos e sem qualquer vitória de pilotos brasileiros há praticamente dois, a revista editada pela MotorPress ainda carrega com galhardia o estandarte do automobilismo por aqui.

Mas será assim por tanto tempo?

Racing já conseguiu um feito: superar a casa das 200 edições. Se bem que alternando revistas inspiradas com outras de capas ridículas como a que colocou videntes para prever o futuro dos nossos pilotos neste ano. Afora que há dezenas de páginas vendidas como informe publicitário de pilotos candidatos a despontar para o anonimato, além de pais de kartistas ávidos a aparecer (são piores que mãe de miss).

E vejo outro problema nisso tudo, por sinal, bastante grave.

O estudante de jornalismo, hoje, só quer saber de trabalhar com futebol depois de formado. Ninguém vê que as oportunidades para trabalhar em TV como comentarista, por exemplo, praticamente pertencem a ex-jogadores. Os locutores que estão por lá não querem sair e repórter só ganha destaque depois de 10 anos roendo o osso.

O automobilismo é um filão pouco (e mal) explorado, que precisa de novas caras interessadas para carregar a nossa bandeira e abastecer a nossa paixão que continua movida no cheiro da gasolina e do pneu queimado.

Lembrem-se: nenhum dos que está aí nas TVs, rádios e jornais, vai ficar para a semente...

7 comentários:

L-A. Pandini disse...

Rodrigo, vou tentar resumir a acidentada trajetória da Grid. Essa eu conheci como leitor, depois como repórter, e finalmente como editor, entre 1994 e 1995:

- 1986: surge como edição especial da Placar, da editora Abril, com a retrospectiva do campeonato de F 1 de 1986.

- 1987/1988: prossegue como revista-pôster. Ia para as bancas na quarta-feira após os GPs.

- 1989: vira revista de verdade, ainda saindo após os GPs de F 1 e cobrindo as demais categorias. Isso durou até o GP da Hungria. Nos GPs seguintes, até Portugal ou Espanha (não lembro ao certo), voltou a ser revista-pôster. Aí, acabou.

- Em 1992, uma edição feita pela editora Azul (braço da Abril) pôs a cabeça para fora da sepultura: uma revista-pôster, nos moldes das de 1987-1988. Foi uma só, após o GP do Brasil.

- Julho de 1993: ainda pela Azul, a Grid volta às bancas como revista, cobrindo todas as categorias. Comecei a trabalhar lá no número 5 (novembro) desta nova fase. Duraria até o número 29, de dezembro de 1995.

- 1996: já em outra editora, cujo nome não lembro, vira Grid Indy SBT e passa a falar apenas do campeonato da CART.

- 1997 ou 1998 (não sei ao certo o ano): muda de nome para Speedway, revista que está aí até hoje e cobre várias categorias.

Complicado, não? É como tentar explicar que a Toleman virou Benetton, que virou Renault, e que esta equipe Renault que está aí tem muito pouco (para não dizer "nada") a ver com a Renault que correu entre 1977 e 1985... Um abraço! (LAP)

L-A. Pandini disse...

Outro aspecto interessante sobre a Grid, e que vale a pena as pessoas conhecerem.

Em 1994, menos de um mês após a morte de Ayrton Senna, deixei o "Estadão" para ser exclusivamente editor da Grid. Muita gente achou uma loucura completa. Achava-se que, sem Senna e sem brasileiros vencendo na F 1, a Grid não teria vendagem suficiente e acabaria logo.

Os números desmentem isso.

As edições lançadas em 1993 e 1994 (antes da morte de Senna) venderam em média 4.000 exemplares. Algumas venderam 6.000, outras 3.000.

A edição com a cobertura do GP de San Marino de 1994 vendeu cerca de 70.000 exemplares. E a edição especial sobre Senna vendeu, de estalo, 120.000 exemplares. Ao longo do ano, chegaria a 150.000 (ou 170.000; confesso que a memória me trai).

Daí em diante, a Grid nunca teve vendas menores que 12.000 ou 13.000 exemplares por mês. Algumas edições chegaram a vender 18.000, e a edição de maio de 1995 (dupla, com a edição normal e um Guia da Fórmula Indy) vendeu 25.000. Esta edição teve algo que nenhuma outra teve na Azul: um trabalho de divulgação, com um ou outro anúncio no SBT e cartazes de banca (nem isso a Azul fazia pela Grid).

Vê-se duas coisas: 1) Com a morte de Senna, muitas pessoas "descobriram" a Grid e passaram a comprá-la regularmente; 2) Se o departamento comercial da Azul tivesse sido minimamente competente, a revista poderia vender o dobro da sua média. E talvez estivesse aí até hoje.

Abraços! (LAP)

Victor Menezes disse...

Pode contar comigo. Eu sou um dos jornalistas da nova geração que está pronto para bater de frente com o famigerado mundo do esporte a motor.

Hurricane disse...

Hola a todos!
En Argentina nos pasó lo mismo con nuestras revistas de automovilismo. Tanto en la década del '60 con Automundo, como luego y durante 30 años con la revista Corsa, ambas hoy desaparecidas.
Lamentablemente el automovilismo no vende, imaginen en un pais que no ha tenido tantos títulos como los que tuvieron ustedes, cuanto se complica hacer una publicación que despierte interés.

Anônimo disse...

Rodrigo,

Sou da época citada pelo estagiário do Sportv. E é bom nos lembrarmos também da Revista Grand Prix que circulou durante dois anos e só falava de Automobilismo e motociclismo e também da ClubMotor...ambas morreram, junto com a Grid que tinha o Panda mandando chumbo.
Com relação a Racing, comprei uns 80 numeros, mas acho que eles perderam o rumo e além disso se dedicam muito pouco ao nosso automobilismo. Se pegarmos as Antigas 4Rodas, Auto Esporte e Grand Prix, veremos que 80% das reportagens era sobre nossos campeonatos e se atualmente formos aos Blogs do Flávio, do Panda e aqui no seu, constataremos que os mais novos ficam encantados e com saudades de um automobilismo que não viram a não ser por estes registros fotográficos postadops que dão altas discussões.

Anônimo disse...

A Grid faz muita falta. Foi a última vez que tivemos uma revista de automobilismo de verdade no Brasil. Nada contra a Speedway (que possui um projeto gráfico muito bonito e fotos ótimas), mas em matéria de conteúdo ela não chega nem perto da Grid.

Só o GPTotal consegue preencher a lacuna parcialmente.

Rodrigo, o Gemani do site http://www.forumfaster.com.br/gemani/ possui uma vasta coleção de antigas Quatro Rodas e AE, muitas reportagens daquele época de ouro inclusive a edição da cobertura da vitória do Jim Clark em Indianápolis. Coisa de louco!!! Entre em contato com ele depois através do fórum faster. Ele me enviou para gente muita coisa legal, como o primeiro teste do Piquet na F-1 e o QR esteve lá.

Coisa de louco

Anônimo disse...

Amigos,

Aqui é o citado estagiário do Sportv, o tal 'fissurado em esportes a motor'. Modéstia à parte, posso dizer que, algumas vezes, sou o único interlocutor à altura do Rodrigo, não necessariamente pelo quanto eu sei ou deixo de saber, mas pelo modo com que enxergamos as coisas.

Algo lamentável, como exposto pelo amigo em seu post. Deveríamos ser muitos, mas a monocultura esportiva deste país acaba direcionando os jovens para um só lado. Todos são maciçamente alimentados com futebol, em níveis cavalares. O (pouco) espaço que sobra em suas mentes é mais ou menos como uma grade de programação: disputado a tapa por modalidades olímpicas, esportes a motor, esportes aquáticos, esportes radicais e por aí vai.

Apesar dos pesares, ainda considero o Sportv um canal que dá valor ao automobilismo, visto que (se não me falha a memória) transmitimos atualmente - em vivo ou VT - mais de 20 categorias nacionais e internacionais. Temos uma mesa redonda comandada por um cara que dispensa apresentações - Reginaldo Leme - e temos em nosso 'cast' gente como Fausto Macieira, Lito Cavalcanti e, óbvio, Rodrigo Mattar.

Nestes vinte anos que acompanho corridas, cheguei a uma conclusão: automobilismo vende, sim. Caso contrário, eu não teria passado inúmeras vezes pela constrangedora situação de juntar grana para comprar um livrão importado, um anuário caro, enfim, e ficar de mãos abanando porque ele foi vendido. Ou então ver que DVDs do WRC, do clássico "24 Horas de Le Mans" ou do recém-digitalizado "Grand Prix" somem das prateleiras em poucas semanas.

O fato é que, num país onde ler é privilégio (e desejo) de poucos, as publicações impressas tendem mesmo a desaparecer. Mas num lance aparentemente contraditório, eis que a Internet acaba reunindo as duas ilhas, leitor e escritor, na mesma esfera. Os blogs e os bons sites analíticos como o GP Total - onde já tive o prazer de publicar algumas crônicas - preenchem a lacuna do impresso com valentia e dão voz à nova geração de jornalistas, de interessados e de fãs do esporte a motor.

Só que uma coisa sempre fica martelando em minha cabeça: o que é que a gente vai guardar num armário pra mostrar aos netos?