sexta-feira, 21 de abril de 2006

Telê Santana (1931 - 2006)

O destino às vezes nos prega peças e nos mostra algumas ironias da vida.

Quis ele que, num 21 de abril, tal como Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) e Tancredo de Almeida Neves, Telê Santana da Silva partisse, aos 74 anos de idade, para o andar de cima.




Todos os três foram verdadeiros batalhadores, cada qual a seu modo, em determinadas épocas e fases de suas vidas.

Tiradentes, no século XVIII, ousou liderar em Minas um movimento para tirar o Brasil do jugo português. Liderando a Inconfidência Mineira, transformou o lema Libertas Quae Sera Tamen (Liberdade Ainda Que Tardia) em lema da bandeira do estado. Morreu traído e decapitado em 1792.

Dois séculos depois, Tancredo Neves, político nascido em São João del Rei, lutou pela democracia e tornou-se um dos ícones das "Diretas Já". Mesmo sendo eleito por voto indireto em 1985, ele era a esperança de uma transição tranqüila da moribunda ditadura para um governo civil. Infelizmente não chegou a governar. Morreu depois de 38 dias de intensa agonia coletiva, de uma nação que torceu, rezou e depois chorou muito por ele.

No mesmo feriado, agora em 2006, se esvai o Fio de Esperança. Telê Santana vinha lutando contra graves problemas de saúde há dez anos, desde que sofrera um acidente vascular cerebral. Uma isquemia foi o estopim para que o mestre se debilitasse a ponto de sofrer amputação parcial de uma perna, em razão de uma diabetes.

Bom, eu não vi Telê jogar. Também pudera, só nasci em 1971 e nessa época ele já era treinador. Ele chegou ao Rio no início dos anos 50, vindo de um modesto time do interior de Minas. Foi parar no Fluminense, onde jogou com Carlyle, Pingo de Ouro, Didi, Castilho, Píndaro e Pinheiro.

Em doze anos nas Laranjeiras e 556 partidas disputadas, aprendeu a amar intensamente aquele que será para sempre seu clube do coração. Com o manto sagrado, ganhou duas edições do Torneio Rio-São Paulo, a Copa Rio (Mundial de Clubes) de 1952, o Estadual de 1951 (fez os dois gols na partida decisiva contra o Bangu) e o de 1959. Magro, mas dono de um fôlego invejável e de uma aplicação tática e dedicação impressionantes, Telê foi ídolo e por isso ganhou o apelido de "Fio de Esperança".

Sem ter jamais vestido a camisa da seleção brasileira como jogador, ainda passou por Guarani de Campinas, Madureira e Vasco antes de encerrar a carreira. Em 1967, tornou-se treinador. Dois anos depois, assumiu como interino no Fluminense que tanto amava. Incentivado e depois efetivado pela diretoria e pelo presidente Francisco Laport, Telê levou o tricolor a um título inesquecível depois de uma vitória idem sobre o Flamengo por 3 x 2.

Dois anos depois, comandou o Atlético Mineiro rumo à conquista do primeiro Campeonato Brasileiro. Foi o estopim de uma carreira vitoriosa que o levou a outros centros.

Em 1977, fez o Grêmio encerrar uma seqüência arrasadora de oito títulos do rival Internacional. No Palmeiras, fez o time jogar o fino da bola. Mas o colorado se vingou de forma indireta tirando da final do Brasileiro de 1979 o Verdão de mestre Telê, que em 1980 foi alçado à comandante da seleção brasileira.

Telê orientava não só o time principal como as seleções de novos que brilharam no Torneio de Toulon, na França. E lapidou a seleção que jogou o futebol mais brilhante dos últimos 30 anos - a equipe de 82 com Waldir Peres, Leandro, Luizinho, Oscar e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder.

Este time encantou o mundo até topar com a Itália de Paolo Rossi e voltar para casa mais cedo, deixando um país inteiro às lágrimas. Ao lado do escudeiro Gilberto Tim, Telê foi para o Oriente Médio e por lá ficou por dois anos.

E como a seleção brasileira precisasse de socorro às vésperas das Eliminatórias para a Copa do México, lá estava o mestre de volta ao comando da seleção. O Brasil se classificou com sobras, é verdade. Mas a bruxa apareceu a partir daí. Contusões dos principais atletas, abandonos de concentração e outras querelas obrigaram Telê a reformular o grupo de 22 jogadores para a Copa.

Ele levou Zico e Falcão totalmente 'baleados' para o México, mas cortou Cerezo e também tirou Renato Gaúcho e Éder por razões disciplinares. Solidário ao ponta do Grêmio, Leandro abandonou a seleção, que acabou eliminada perante a França.

O ciclo de Telê, visto como pé-frio até ali, não tinha terminado. De volta ao Atlético Mineiro, ganhou o título estadual em 1988 e quase levou o Galo pra decisão da Copa União, derrotado numa partida memorável contra o Flamengo onde Renato se vingou do corte da Copa do México.

Ele assumiu o São Paulo depois de uma passagem relâmpago pelo Fluminense e fez do tricolor paulista uma máquina de jogar futebol. Eterno perdedor dos anos 80, o time do Morumbi ganhou tudo de 91 em diante - inclusive os Mundiais que Telê não tinha, e foram dois, seguidos, em conquistas inesquecíveis contra os fortíssimos Barcelona e Milan.

Ético e coerente, Telê lutou contra as más arbitragens e também contra o mau futebol praticado no país nos anos 90. Sob seus olhos, jogadores limitados como Ronaldão, Ronaldo Luiz, Pintado, Dinho e principalmente Júnior Baiano, cresceram a olhos vistos. Mas por desgaste, cansaço ou tudo junto, o mestre deixou o São Paulo e assumiria o Palmeiras como técnico antes de adoecer gravemente há dez anos.

A força das palavras e da inteligência de Telê foram sumindo como um fiapo, um fio de esperança. E nos últimos anos infelizmente ficamos privados das contundentes declarações do mestre.

E numa de suas últimas aparições, promovidas por um daqueles debates onde todo mundo quer aparecer mais do que o outro, Telê ainda teve forças para dizer quem era, além da fiel companheira D. Ivonete, a grande paixão de sua vida.

"O Fluminense é e sempre foi minha segunda casa. Meu clube do coração."

E a família tricolor, mestre, chora a sua morte. Foi decretado luto oficial de três dias no clube. Na partida deste sábado contra o Goiás, haverá um minuto de silêncio e os jogadores atuarão com tarjas pretas no uniforme.

E no Mário Filho, palco das mais lindas vitórias do clube das três cores que traduzem tradição, pode ter certeza, mestre... gritaremos em uníssono o teu nome, como um "muito obrigado" por tudo que você fez para o Fluminense e para o futebol brasileiro.

Obrigado, Telê.

4 comentários:

Anônimo disse...

Homem honrado, de caráter e grande pai de família. Profissional que se preocupava com os seus comandados como esses fossem seus filhos. Brigão pelas boas causas, perdedor e vencedor com a mesma convicção. Vai deixar saudades nos amantes do futebol. Descanse em paz Telê, depois de tanto sofrimento nos últimos tempos. Você está ao lado dos juntos agora.

JM disse...

Melhor post de Telê que eu li hoje...
À altura do Mestre...
Às alturas, Telê!

Marco Aurélio disse...

Telê Santana foi sem dúvida o melhor técnico de futebol que o Brasil já teve. Pena que morreu cedo. Enquanto isso o Zagallo continua vivo com sua arrogância e antipatia habitual. Vale aqui a máxima:
Vaso ruim não quebra!

Um abraço

Marco Aurélio

Anônimo disse...

Ótima analogia do 21 de abril... tá afiado, hein, camarada?