quarta-feira, 12 de abril de 2006

Malditos da MPB

O que faz um artista emergir como foguete e depois sumir como estrela cadente dentro da Música Popular Brasileira?

Você leitor há de dizer que é um conjunto de fatores, entre os quais a má-vontade da mídia e a ausência de sucessos consistentes.

Rótulos fazem parte, sempre, da MPB - e uma turma de compositores, alguns deles geniais, pagaram caro por isso e foram chamados por muito tempo de "malditos".

Especialmente aqueles que um dia fizeram parte de uma estética de vanguarda e outros que se fiaram por muito tempo em um ou outro estrondoso sucesso esperando que portas se abrissem para novas gravações.

Deste time fazem nomes do quilate de Sérgio Sampaio, Walter Franco, Tom Zé, Jards Macalé e Luiz Melodia.

Melodia e Tom Zé são casos únicos de redenção na música nacional. O primeiro, graças à revisitação constante de sua obra pela nova geração, ganhou vida novamente e nos anos 90, voltou a gravar depois de um longo hiato. Na época, ele não poupou piadinhas ao fato da campeã de vendagens ser a Xuxa, com seus discos horrendos de músicas infantis.

Crítica justíssima de quem deu voz ao morro e compôs pérolas como "Magrelinha", "Estácio Holly Estácio" e "Juventude Transviada", só para citar algumas.

Tom Zé virou novidade quando redescoberto por David Byrne, o antigo líder dos Talking Heads. Vencedor do Festival da Record em 1968 com "São, São Paulo Meu Amor", o baiano foi letrista de primeira hora dos tropicalistas e com o fim do movimento, despontou para o anonimato. Isso até o cantor americano levá-lo para seu selo Luaka Bop, associado à Warner.

Hoje, com quase 70 anos, o baiano descobriu o elixir da juventude. Fez discos muito bons - entre eles "Com Defeito de Fabricação" - e foi consagrado numa das últimas edições do festival Abril Pro Rock em Recife. Com certeza, Tom Zé está de bem com a vida.

Não se pode dizer o mesmo, por exemplo, de Jards Macalé, que apesar de composições brilhantes, jamais conseguiu um espaço de destaque dentro da MPB. Ele fez parte inclusive do seleto elenco de artistas da Philips, quando a gravadora ligada à multinacional holandesa era uma potência sem igual no país. Mas sua carreira nunca decolou.

Representante de primeira hora da vanguarda da MPB, Walter Franco jamais sentiu o gosto do sucesso. Nascido em 1945, despontou para a música na fase final da Era dos Festivais. Em 1972, no último FIC da Rede Globo, o paulistano inscreveu a música "Cabeça" - totalmente fora dos padrões da época. E implacavelmente vaiada durante a sua apresentação.

"O Que é que tem nessa cabeça, irmão
O Que é que tem nessa cabeça ou não
O Que é que tem nessa cabeça saiba irmão
O Que é que tem nessa cabeça saiba ou não
O Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode irmão
O Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode ou não
O Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode explodir irmão
O Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode explodir ou não."

Ao contrário da platéia, que odiou a canção, o júri - formado entre outros por Nara Leão, Sérgio Cabral, Décio Pignatari , o lendário DJ Big Boy e Rogério Duprat - gostou muito da proposta ousada do compositor e decidiu pela inclusão de "Cabeça", junto com o samba "Nó Na Cana" (interpretado por Mirna e Elson - aquele mesmo que viraria o Elson do Forrogode), como representantes do Brasil na fase internacional do FIC.

Mas os militares pressionaram a Rede Globo, que destituiu o júri inteiro, provocando um protesto furibundo de Roberto Freire, e fez de "Fio Maravilha" a vencedora da parte nacional do Festival.

Walter Franco gravou seu primeiro disco em 1973 - aquele que ficou conhecido como o "Disco da Mosca" e dois anos depois voltou à carga num festival de música - Abertura - da Rede Globo.

"Muito Tudo" era uma homenagem à João Gilberto e John Lennon - nova proposta de música fragmentada, que agradou aos jurados, que lhe deram o terceiro lugar no Festival, atrás apenas de "Fato Consumado" (de um alagoano chamado Djavan) e "Como um Ladrão", de Carlinhos Vergueiro.



E de novo o público, chocado com o resultado, vaiou Walter Franco implacavelmente. A reapresentação das músicas mais bem colocadas era praxe nos Festivais e o Teatro Muncipal de São Paulo era sacudido pelo protesto que fez Walter, o flautista Tony Osanah e o maestro Júlio Medaglia, autor do arranjo, se sentarem no palco para jogar dados imaginários. A turba uivava e a partitura foi rasgada por Medaglia logo depois.

Em 76, Walter fez o ótimo disco "Revolver" e dois anos depois, pela CBS, produziu com mais de duzentos músicos o álbum "Respire Fundo", que tem uma música cujos versos viraram praticamente um dito popular.

"Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranqüilo"

E ainda mostrou gás para participar de mais um Festival de Música, o terceiro em sete anos, desta vez o da TV Tupi. "Canalha" atirava na cara o grito primal e gutural do compositor, numa canção que clamava pela catarse. Polêmica, mais uma. Mas Walter Franco não se vexou e soltou o verbo.

"Mas eu não estava chamando ninguém de Canalha. Estava falando de uma dor canalha, a dor da existência, de todo ser humano. Mas é claro que podem ser feitas outras leituras."

"Serra do Luar" foi a quarta tentativa em 1981, no festival MPB-Shell da Rede Globo. Ele classificou-se para a final, mas não levou nada. Seus últimos trabalhos foram em 1982 e 2000 e nessa época, inscreveu a música "Zen" no Festival da Música Brasileira. Novo fracasso e ele ficou no vazio.

O último dos malditos supracitados é Sérgio Sampaio, capixaba e coincidentemente conterrâneo do Rei Roberto Carlos. Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, filho de um fabricante de tamancos e maestro bissexto e de uma professora primária, ouvia Sílvio Caldas e Orlando Silva e se alimentava de música o tempo inteiro.

O primo Raul compõs "Meu Pequeno Cachoeiro", canção que seria consagrada justamente pelo filho mais famoso da terra. De olho na carreira emergente de Roberto, Sérgio Sampaio largou a cidade para trás e veio para o Rio em busca de vôos mais altos.

Virou riponga na Cidade Maravilhosa e em 1970 foi descoberto por ninguém menos que Raul Seixas, então produtor de discos na CBS. Juntos e com a ajuda da cantora Míriam Batucada e do tresloucado Edy Star, fizeram uma traquinagem ao lançar o disco "Sessão das Dez", sob a égide da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.

Anarquia influenciada por Frank Zappa e seu Mothers of Invention, que apresentou pérolas como "Eu Não Quero Dizer Nada" e "Chorinho Inconseqüente". Não se sabe como a censura fez que não era com ela, mas a CBS tomou providências e mandou todo mundo embora.

Os magros e companheiros de ideologia estavam no olho da rua e com ases na manga. Raulzito com "Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo" e "Let Me Sing". Sérgio Sampaio com "Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua", um grito surdo contra a opressão da ditadura vigente no Brasil.

“Fiz a canção num momento de angústia bastante grande, eu sozinho comigo cantando, e sentia que ela tinha um poder. Depois, mostrei para Raul e ele mesmo disse: ‘Pomba, é isso aí, dá pé, esse negócio aí é legal.’”

E era legal mesmo. Os dois foram atrações do FIC da Rede Globo - o mesmo onde Walter Franco apresentou "Cabeça". Raul incorporou o Diabo e Elvis Presley, com jaqueta de couro negro. E Sérgio Sampaio botou pra ferver com sua marcha-rancho que, apesar da apresentação caótica da eliminatória, foi repescada para a final graças à pressão de Nara Leão.

Contratado pela Philips, Sérgio gravou seu "Bloco" em compacto e vendeu inacreditáveis 500 mil exemplares. E fez seu primeiro disco em 73 com produção de Raul Seixas. Um trabalho muito competente e com músicas ótimas como "Filme de Terror" e "Cala a Boca Zebedeu". Mas nada aconteceu.

Daí em diante, conviveu à margem do sucesso. Submergiu em meio ao álcool, às drogas e a trabalhos esparsos e pouco divulgados. A passagem de um gato preto diante dele numa apresentação de seu show "Enquanto o disco não vem", em 1978, foi interpretada como mau presságio.

Sua morte trágica, graças à pancreatite, aconteceu em 1994 - ano em que gravou seu último álbum - "Cruel", que ganhou vida graças ao trabalho devotado de um fã do magro capixaba: o maranhense Zeca Baleiro, que com esse lançamento inaugura seu selo independente, Saravá Discos.

4 comentários:

Luly disse...

É sempre bom vir aqui ter umas aulas de cultura musical.
Parabéns pelo ótimo texto, você está cada dia melhor!
Bjo.

Anônimo disse...

sou primo de sergio moraesw sampaio eu nilton de souza moraes,maricá 11 de junho de 2008

Anônimo disse...

SOU PRIMO DE SERGIO SAMPAIO POR NILTON MORAES

Anônimo disse...

Muito bom esse artigo! Parabéns! Faz um interessante e instrutivo apanhado sobre os "malditos da MPB". Obrigado por postar! Um abraço e muito sucesso para vc e o excelente blog.