segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O último machão e cafajeste do Brasil

Ninguém soube encarnar nos últimos 40 anos o papel do cafajeste e do machão, aquele tipo de homem que acha que manda na mulher, diz que faz, acontece, não chora e et cetera. Ele foi o estereótipo de uma espécie em extinção. E nesta segunda, disse adeus ao mundo real.

A pessoa em questão é Jece Valadão.

Nascido com o nome Gecy em 1930 (que depois mudou para Jece, afinal soam praticamente do mesmo jeito) no interior do Rio, ele foi criado em Cachoeiro do Itapemirim - e por isso muitos o têm como conterrâneo de Roberto Carlos e de Sérgio Sampaio. Antes mesmo de completar 20 anos, já era um bom ator de teatro e cinema.

E vindo do interior, teve a sorte de conhecer a família de Nelson Rodrigues, que lhe deu personagens em duas de suas peças - "Os Sete Gatinhos", onde com uma pesada maquiagem interpretou o contínuo Noronha, e "Perdoa-Me Por Me Traíres".

Por conseguinte, apaixonou-se e casou com Dulce Rodrigues, uma das irmãs mais novas do dramaturgo. Com ela, arregaçou as mangas construindo um teatro no Catete, onde foi encenada pela primeira vez uma peça de Nelson que não foi censurada nos anos 60 ("Viúva, Porém Honesta") e montou uma companhia para produzir outras peças.

Ao mesmo tempo, Jece já era um ator conceituado no cinema nacional, assumindo a porção cafajeste inclusive no plano pessoal. Ao todo, atuou em mais de cem filmes - diversos deles de Nelson Pereira dos Santos, como "Rio 40 Graus" e "Boca de Ouro", e no lendário "Os Cafajestes", longa dirigido pelo angolano Ruy Guerra onde pela primeira vez uma atriz ficou inteiramente nua - a então linda e loira Norma Bengell.


Jece e Norma em ação no longa "Os Cafajestes"

Nos anos 70, foi produtor e ator em dezenas de filmes, sobretudo comédias e policiais, como "Eu Matei Lúcio Flávio". E fez um pai-de-santo em "A Idade da Terra", o último filme de Glauber Rocha.

Ironicamente, o machão, o cafajeste, deixou-se converter à Igreja Evangélica, por sugestão de Vera Gimenez, uma de suas seis mulheres. Ficou dez anos recluso, deixando para trás a imagem de boêmio e pai ausente de oito filhos - entre os quais não está a apresentadora de TV e modelo Luciana Gimenez.

Ele voltou à TV em programas especiais e na minissérie "Filhos do Carnaval", produzida pela O2 Filmes para o canal a cabo HBO, onde interpretou um bicheiro. Estava envolvido na produção de um documentário sobre ele próprio, intitulado "O Evangelho Segundo Jece Valadão" e no novo filme da lenda José Mojica Marins, o Zé do Caixão - "Encarnação do Demônio".

Mas a saúde do ator, abalada por anos de boemia e excessos, veio pagar-lhe a conta. Internado num hospital desde o último dia 21, Jece sofreu uma arritmia cardíaca em conseqüência de problemas renais. E partiu desta para uma muito melhor.


Um comentário:

Anônimo disse...

pois é amigo, fico triste pelo cinema ter perdido uma grande estrela...
Tivemos o prazer de trabalhar com ele em "Filhos do Carnaval", e fica na lembrança as boas horas de set de filmagem... Que Deus o guarde em um bom lugar...