domingo, 5 de agosto de 2007

Nevermind

Cada década teve seu disco marcante.

Nos anos 60, "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band", dos Beatles.

Nos seventies, "Led Zeppelin II". E na década de 80, o épico "Thriller", de Michael Jackson.

Fica a pergunta: qual teria sido o melhor dos melhores nos anos 90?

Não é difícil dizer... visto que depois desse disco, nenhum outro o conseguiu sobrepujar em matéria de impacto estético, musical e comportamental.

Trata-se de "Nevermind", do Nirvana.

O grupo surgido em Aberdeen no fim da década de 80 foi um dos pilares do que se chamou a partir daí de grunge, onde dezenas de bandas surgiram - 90% delas vindas da costa oeste estadunidense - com guitarras pesadas, vocais berrados e visual sujo, mulambento, onde reinavam calças rasgadas com gilete, cabelos desgrenhados e camisas de manga comprida - de flanela.

No primeiro álbum, "Bleach", o Nirvana tocou como um quarteto - Kurt Cobain e Jason Everman nas guitarras, Krist Novoselic no baixo e Chad Channing na bateria. Mas a formação não durou muito. Everman deu no pé e Channing, que começou a tocar com o grupo na pré-produção do novo disco, saiu para dar lugar a Dave Grohl, que tocava num grupo chamado Scream.

Com grande parte das composições prontas, o grupo não hesitou em chamar Butch Vig para produzir o novo álbum - no primeiro, a tarefa coube a Jack Endino. A Sub Pop tinha assinado com o grupo um contrato de distribuição e divulgação, que imediatamente foi repassado à DGC - David Geffen Records.

Com um estúdio em Van Nuys inteiramente à disposição (onde saíram do forno discos de grupos como o Fleetwood Mac), o Nirvana e o produtor Butch Vig puderam experimentar à vontade. E o grupo mostra que não está para brincadeira já de saída com "Smells Like Teen Spirit", sem dúvida a faixa mais marcante de todo o LP.

O impacto que a música causa até hoje mostra o quanto ela foi marcante naquele ano de 1991, quando estourou mundialmente. E o clip foi um marco, com o diretor Sam Bayer aproveitando um show do grupo no Roxie para conseguir a figuração necessária para a gravação.

Em dado momento da filmagem, ele não conseguiu mais controlar o ímpeto da turba, misturada a cheerleaders, groupies e toda a fauna necessária para dar mais realismo à idéia do grupo e do diretor. Resultado: todo o cenário foi destruído.

As ironias do grupo não pararam por aí. Spike Jonze, um quase-iniciante na direção, assina o clip de "In Bloom" - quer dizer, o segundo, que ficou marcado por ter imagens do trio vestido de mulher e também como se fora uma bandinha dos anos 60, com topete e franjinha e gritinhos de macacas de auditório ao fundo.

As canções foram trabalhadas em estúdio com um esmero poucas vezes visto para um grupo que ainda não tinha estourado no mercado. "Drain You" é um exemplo vivo disto, pois Butch Vig praticamente torturou Cobain para extrair o maior número possível de linhas de guitarra para produzir um overdub na mixagem - usou duas com a Mesa Boogie, outras duas com o amplificador Fender Bassman e outro com um grunge pedal - e o resultado como se ouve no disco é simplesmente devastador.

O vocalista também contribuía para que o Nirvana ficasse marcado como um grupo de canções densas, feitas para um público-alvo de "desajustados", filhos de pais separados, adolescentes angustiados, algo como as histórias de vida de Kurt Cobain transportadas para o que escrevia e depois para a sonoridade agressiva que ele e seus colegas de banda tiravam no disco e especialmente nos palcos. Uma zoeira sonora que tornava os shows da banda um verdadeiro caos.

Mas havia exceções honrosas. Em "Lithium", por exemplo, apesar da letra sombria, é impossível não dizer que há um astral tão grande na melodia e na interpretação do guitarrista, que é uma das músicas que os fãs da banda mais gostavam de dançar.

"Polly" é outro exemplo do quanto Cobain era um homem inteligente e sensível. A letra transcreve a relação (verídica) entre uma garota seqüestrada e torturada, do ponto de vista do seqüestrador / torturador. Na verdade, algo que o genial Truman Capote já tinha feito em "A Sangue Frio", onde a narrativa é do ponto de vista de um assassino.

Dentre todas as músicas, a que deu mais trabalho foi "Something In The Way", porque Cobain queria um vocal mais sussurrado e depois de quatro ou cinco tentativas infelizes, Butch Vig pegou os microfones, trouxe-os para o aquário da técnica e Kurt cantou acompanhado do violão. Depois é que Novoselic e Grohl fizeram a cozinha, coisa que não era habitual entre eles - porque quando gravavam, era com todos os instrumentos juntos - baixo, bateria e guitarra.

Com todos os ingredientes, o grupo e Butch Vig produziram um álbum intenso, vigoroso, daqueles capazes de sacudir o mercado. A Sub Pop e a Geffen tinham uma estimativa "otimista" de vender 500 mil cópias do "Nevermind", mas eles tiveram a noção exata do que alcançaram quando viram o grupo destronando ninguém menos que Michael Jackson do posto de número 1 nas paradas de sucesso.

Daí em diante, veio o disco "In Utero", com sonoridade ainda mais suja e produção de Steve Albini e o sucesso mundial de "Nevermind" pegou fundo em Kurt Cobain, pois com sua personalidade enigmática, ele não suportou a pressão da mídia, não agüentou ser um rockstar e, tal como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, o canhoto guitarrista acabou saindo da vida e entrando para a história aos 27 anos.

Confesso, depois de escrever tudo isso, que em 1991 me deixei - muito - envolver por todo o clima do disco. Hoje, não é a mesma coisa, mas não dá pra negar que se trata de um registro que entrou para a história da música e do rock and roll.

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