segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Retratos em branco-e-preto

Em janeiro deste ano, a música brasileira viveu momentos antagônicos.

No dia 19, completaram-se 25 anos de uma perda colossal: a morte de Elis Regina, provavelmente a maior cantora deste país em qualquer tempo.

E na última quinta-feira - dia 25 - seriam comemorados 80 anos de um mestre da MPB, se ele estivesse vivo.

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, ou simplesmente Tom Jobim.

Ambos mereceram homenagens caprichadas e emocionadas da Globo em domingos diferentes. Foram dois programas muito bem concebidos e realizados, algo que anda em falta na TV aberta.

A carreira de Tom foi brilhante sob todos os aspectos. Em 40 anos de serviços muito bem prestados, o maestro soberano compôs, regeu, escreveu partituras, cantou em português e inglês, difundiu nossa música, alavancou a bossa nova, criou um estilo inconfundível.

Começando como arranjador da gravadora Continental aos 25 anos, rapidamente escreveu suas primeiras músicas. Em 1954, Mauricy Moura gravou "Incerteza", de Tom e Newton Mendonça.

Dois anos depois, musicou a peça 'Orfeu da Conceição' com Vinícius de Moraes. Ele e o poetinha compuseram um clássico instantâneo - "Se todos fossem iguais a você", gravada no disco da trilha do filme homônimo dirigido por Marcel Camus na voz de Agostinho dos Santos.

Em 58, um baiano de voz anasalada começa a fazer sucesso cantando "Chega de Saudade" e "Desafinado". É João Gilberto, que dá voz e vez à bossa nova, fazendo a MPB atingir um patamar jamais sonhado - haja visto que ele e Tom brilham no espetáculo do Carnegie Hall produzido por Sidney Fry.

De 1962 a 1963, a produção de músicas e de clássicos da obra de Jobim é avassaladora: "Samba do Avião", "Só Danço Samba", "O Morro Não Tem Vez", "Vivo Sonhando", entre outras mais.

Inserido no mercado americano, ele gravou um disco em inglês e logo depois faria um dueto inesquecível com Frank Sinatra. The Voice cantou "Quiet Night and Quiet Stars" (Corcovado), "Dindi", "How Insensitive" (Insensatez, que seria gravada brilhantemente por Sting anos mais tarde) e "The Girl From Ipanema" (a imortal Garota de Ipanema).

No ano de 68, unanimidade que fora assim como Ataulfo Alves, Ismael Silva e Chico Buarque de Hollanda como um dos compositores selecionados para a Bienal do Samba, da TV Record, compôs e escreveu a música "Onda" - é essa mesma que vocês estão pensando...

Roberto Carlos, escalado para defendê-la, deu um tremendo cano em Tom, viajando em lua-de-mel com Nice para Las Vegas. Não cantou "Onda" na primeira eliminatória da Bienal e tampouco na terceira.

Vertida para o nome "Wave", tornou-se um grande sucesso e hoje é a abertura da novela 'Páginas da Vida'. No disco, existem a versão instrumental e aquela cantada em dueto por Paulinho e Maria Luiza, filhos de Tom.

Vou te contar
Meus olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender

Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho

O resto é mar
É tudo que não sei contar
São coisas lindas que eu tenho pra te dar

Vem de mansinho a brisa e me diz
É impossível ser feliz sozinho

Da primeira vez era a cidade
Da segunda o cais e a eternidade

Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar
E das estrelas que esquecemos de contar

O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver

Tom ficou pelo caminho na Bienal, mas inscreveu junto com Chico a belíssima "Sabiá" na 3ª edição do Festival Internacional da Canção. A música, uma peça camerística falando da dor do exílio, foi a antítese da panfletária "Caminhando", de Geraldo Vandré. Cantada pelas irmãs baianas Cynara e Cybele (do Quarteto em Cy), foi impiedosamente vaiada na final nacional porque derrotara justamente a música de Vandré, que se insurgia contra o regime militar.

E como não há mal que sempre dure, massacrado e humilhado pela platéia furibunda, o mesmo Tom veria sua "Sabiá" vencer a fase internacional, desta vez sem vaias.

Aprofundado em influências de compositores eruditos e em pesquisas sobre a fauna brasileira, juntando influências jazzísticas, compôs canções de instrumentação simplesmente brilhante nos anos 70 e discos que simbolizam sua vasta obra, como Matita Perê (de 1973) e Urubu (1976).

Nesse entremeio, fez um consagrado e cultuado álbum com Elis Regina, que tem como carro-chefe uma inesquecível versão de "Águas de Março", cantada à vontade por eles num especial produzido pela Globo em fins de 74. Não seria o último disco que Tom faria com outros artistas, pois fez dois trabalhos com Miúcha, um com Edu Lobo e mais outro com Frank Sinatra.

Além da natureza e os pássaros, as mulheres foram grande fonte de inspiração em suas canções. Não à toa, ele escreveu e gravou clássicos como "Dindi", "Ana Luiza", "Isabella", "Luciana", "Tereza da Praia", "Ângela", "Lígia" e "Luiza" (esta, abertura da novela 'Brilhante', da Globo). Também escreveu o "Samba de Maria Luiza", uma pequena brincadeira dividida com a filha que tinha então 5 anos na gravação do disco Antônio Brasileiro, de 1994.

Foi neste mesmo ano que o compositor, já com 67 anos de idade, sofreu um sério problema de saúde que o levou à morte, na mesma Nova York que certa feita ele descreveu com o bom-humor que sempre o caracterizou.

"O melhor modo de se conhecer Nova York é de maca."

Homenageado ainda em vida pela Mangueira, a escola de samba do coração, o tricolor Tom Jobim partiu desta para melhor no dia 8 de dezembro. E deixou um vácuo impreenchível na história da nossa música.

Ah, maestro soberano... que maravilha seria viver, se no mundo todos fossem iguais a você!

Um comentário:

Luly disse...

Através da arte é possível alcançar a imortalidade. Um grande gênio morre fisicamente, mas jamais será esquecido e acaba vivendo entre nós pra sempre.