A nova geração não é capaz de saber por quais meios a Fórmula 1 chegou ao Brasil, provavelmente por puro desinteresse. Mas o Saco de Gatos conhece a história tintim por tintim e vai desdobrar o processo pra rapaziada nova na área.
Pois bem: em 1970, Interlagos estava reaberto após uma longuíssima reforma que durou dois anos. Foram erguidos novos boxes, torre de cronometragem e direção de prova, ampliadas as áreas de escape, instalados guard-rails e o mais importante, construídas arquibancadas de concreto, já que na velha pista as acomodações eram mais do que precárias, em madeira cujas tábuas foram destruídas com o tempo.
Surgiu na cena automobilística, nesse tempo, o empresário Antônio Carlos Scavone que, de olho nas façanhas de Emerson Fittipaldi, já campeão na Fórmula 3 inglesa, pretendia introduzir por aqui a fina flor do esporte - ou seja, a Fórmula 1.
E para isso, o Brasil teve que começar de baixo, promovendo provas internacionais para mostrar que teria capacidade e competência para organizar um evento de grande porte.
Scavone conseguiu que viessem 23 carros - provenientes de sete fabricantes diferentes - de Fórmula Ford para a realização do primeiro Torneio Internacional BUA (British United Airways). Vieram de fora alguns bons pilotos da categoria: Vern Schuppan, Tom Walkinshaw, Ray Allen, Ian Ashley, Tony Lanfranchi, Ed Patrick, Max Fletcher, Tom Belso, Val Musetti, Peter Hull, Reg James, Clive Santo, Syd Fox e duas mulheres - Gabriele König e Liane Engelman.
A delegação brazuca tinha Emerson Fittipaldi como o grande destaque, capitaneando Luizinho Pereira Bueno, Ricardo Achcar, Marivaldo Fernandes, Milton Amaral, Norman Casari, José Moraes Neto, Wilsinho Fittipaldi, Pedro Victor de Lamare e Chiquinho Lameirão.
Com promoção e transmissão da Rede Globo, o Torneio teve cinco corridas: duas no Rio, uma em Curitiba, outra em Fortaleza e o grand finale em São Paulo.
Emerson, que corria com um Lotus amarelo com faixa horizontal verde, coerentemente pintado com o número 1, venceu a prova inaugural no antigo autódromo do Rio. Luiz Pereira Bueno, em atuação magistral a bordo de um Merlyn, faturou a prova seguinte e Ian Ashley foi ao topo do pódio em Curitiba.
E aí registrou-se um episódio que entrou para o folclore do automobilismo nacional. Com a etapa de Fortaleza ocorrendo a apenas sete dias do evento paranaense, os carros (que eram transportados por carreta) corriam o sério risco de não chegar a tempo no Autódromo do Eusébio para a grande prova. Com muito esforço, a caravana chegou ao Ceará às onze da noite de sexta-feira, a tempo de se realizarem os treinos e a prova, ganha por Emerson Fittipaldi para deleite da galera.
Interlagos, com casa cheia, presenciou uma vitória sensacional e o título de Emerson, com Wilsinho fazendo uma histórica dobradinha. Não havia dúvidas que o Brasil estava bem representado no exterior e por isso mesmo Scavone se permitiu dar um passo ainda maior em 1971.
De uma só tacada, ele organizou os Torneios Internacionais de Fórmula 3 e Fórmula 2, atraindo muitos pilotos estrangeiros e novamente dando grande visibilidade ao automobilismo com a parceria cada vez mais sólida com a Rede Globo.
A grande estrela das provas de F-3 foi Wilsinho Fittipaldi. Com o mesmíssimo Lotus 59 Novamotor com o qual começara sua aventura européia, o "Tigrão" deu show na pista que era o quintal de casa dele e de toda sua geração. E foi campeão com sobras.
Na F-2, cuja exibição aconteceu no fim do ano, Emerson Fittipaldi, que já estava no "primeiro time" da categoria máxima, arrebentou na prova de abertura, vencendo o vice-campeão de F-1 Ronnie Peterson por apenas três décimos de segundo na soma dos tempos.
Emerson voltaria a vencer na prova do dia 7 de novembro, com vantagem de dez segundos sobre o argentino Carlos Reutemann. O piloto portenho ganhou em Tarumã, na corrida onde morreu o promissor italiano Giovanni Salvatti, que entrou por baixo do guard-rail da curva 1 com seu March.
Ainda houve uma corrida em Córdoba, na Argentina, com nível técnico mais baixo e cujo vencedor foi o australiano Tim Schenken. Mas Emerson saiu consagrado como o campeão do Torneio, prometendo voltar em 1972 se Scavone reunisse condições de organizar a prova.
Não só o empresário conseguiu, como trouxe a F-1 já em 30 de março daquele ano, para uma prova extracampeonato com 12 pilotos inscritos - quatro deles brasileiros: Emerson, Wilsinho, Carlos Pace e Luiz Pereira Bueno. A suspensão do Lotus de Emerson quebrou a poucas voltas do fim e Reutemann venceu.
Como um meteoro, Emerson chegou ao topo e foi campeão com o monoposto pintado em negro e dourado do patrocinador John Player Special. E logicamente foi a grande atração do II Torneio Internacional, que aconteceu de 29 de outubro a 12 de novembro.
Vinte carros disputaram as provas e os brasileiros deram um show. Emerson, que corria com um Lotus 69 de motor Cosworth BDF de 1.930 cc, venceu na soma de tempos na primeira prova, com Tim Schenken (Rondel Brabham) e Wilsinho Fittipaldi (Bardahl-Varga Brabham) fechando o pódio.
Na segunda rodada, José Carlos Pace, estreando na Surtees com o modelo TS15, o carro de 1973 dotado de motor Ford/Hart 2 litros com bloco de alumínio, matou a pau com uma histórica atuação vencendo Emerson por aproximadamente 13 segundos na primeira bateria e cinco sobre Mike Hailwood na segunda. Na soma dos tempos, Emerson terminou à frente de Mike The Bike (Team Surtees).
O britânico deu o troco na rodada final, usando e abusando da regularidade, pois as duas baterias foram ganhas por Henri Pescarolo (Rondel Brabham) e Carlos Pace. Com 15 pontos somados ao fim das três etapas, contra 13 de Hailwood, Emerson chegou ao bicampeonato do Torneio Internacional de F-2.
11 comentários:
Belo texto, enciclopédia do automobilismo.
Em Interlagos vou te mostrar o guia da Fórmula 2 de 71, que guardo com carinho em minha estante!
Tom Walkinshark??? Ele foi piloto?
fala Rodrigo sou o Dinho corro as vezes na Superclassic pois sou do Rio e estou restaurando um Lorena...dei uma passadinha pra dar um alô...
Não só da Fórmula Ford, como também dos próprios Jaguar XJR-S de sua própria equipe no Mundial de Turismo da FIA, em dupla com vários pilotos, entre eles Chuck Nicholson (pseudônimo de Charlie Nickerson, de quem você provavelmente ouviu falar na tenebrosa história da compra da Prost por um grupo chamado DART, em 2002).
Salve Dinho, apareça mais vezes!
Quando você restaurar o Lorena, mande-me fotos, quero publicá-las no blog.
Grande abraço!
assim que vc puder, lembre tb das temporadas de esporte prototipos de 70 e 72, alem das mil milhas de 70.
não querendo abusar, mas vc poderia tb lembrar dos 500 km de 72.
obrigado e um abraço.
Amigo Egídio, quanto aos 500 km de 1972, já fiz meu registro no blog, é só procurar e achar.
Quanto à Copa Brasil, sugestão aceita e muito bem-vinda.
Um grande abraço!
O Antonio Carlos Scavone, tanto ou mais que empresário, era jornalista especializado e piloto. Teve um progama no canal 5 paulista, na época operado pelas Organizações Victor Costa, cujo tema de abertura era "Take Five", composição imortalizada por David Brubeck e cujo título rende discussões tão apaixonantes quanto a própria sonoridade e balanço da obra. Scavone foi uma das vítimas do acidente da Varig em Orly, onde também pereceram Agostinho dos Santos e o maestro argentino radicado no Brasil Carlos Piper. A Scavone devo algumas dicas e o incentivo de ter enveredado pelo jornalismo na F1.
Wagner Gonzalez
Ola galera ...
Alguem pode me informar sobre uma medalha comemorativa que teve patrocinio da rede globo para homenagear Antonio Carlos Scavone,em 27 de janeiro de 1974.
Qual foi a tiragem sera que tem algum valor comercial?
Grata.
Como neto do Antonio Carlos Scavone, gostaria de agradecer ao moderador do blog pela matéria, é muito bom saber que o trabalho dele está sendo divulgado......... ˆ-ˆ......... e se precisar de algo, estamos aqui. Não tenho muita coisa, mas tenho fotos e um livro de 1974 do troféu Antonio Carlos Scavone. Um abraço.
Antonio Carlos Scavone Neto.
Em 1974, teve um Grande Prêmio, no Autódromo de Interlagos, que levou o nome de Antonio Carlos Scavone. Sei disto pois tenho o encarte do Grande Prêmiio. Meu filho é Antonio Carlos Scavone Neto, estuda publicidade e é neto do mesmo Antonio Carlos Scavone. Ficou indignado com o documentário que a Globo fez sobre a fórmula 1 sem sequer citar o avô. Quem tiver reportagens, fotos ou depoimentos sobre o período, peço que entre em contato com ele, pois ele está escrevendo um artigo sobre o avô e coletando informações e depoimentos para a confecção de um livro sobre o início da Fórmula 1 no Brasil. O e-mail dele é tonyscavs@gmail.com. Desde já agradeço. Sandra
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