Quem tem mais de 45 anos com certeza se lembra bem dos Festivais da Canção. As diferentes emissoras de TV nos anos 60 promoveram vários, cada um a seu modo. Tinha o da Excelsior, de curtíssima duração; o da Record, o mais rico em grandes canções e o que mais artistas revelou na história da MPB; e o Festival Internacional da Canção, o FIC.
Este iniciou-se em 1966 como um evento promovido em conjunto pela Secretaria de Turismo da antiga Guanabara com a TV Rio. Percebendo o enorme potencial do evento, a Globo, através de seu diretor Walter Clark, negociou para fazer a transmissão em conjunto e a família De Lamare, dona da emissora rival, não topou. Naquele ano, sob vaias, Nana Caymmi defendeu "Saveiros", canção do irmão Dori com letra de Nelsinho Motta. E ganhou. Na fase internacional, vitória da insossa música "Frag Den Wind" (Pergunte ao Vento), da Alemanha.
Em 67 o FIC já era da Globo, que o promoveria até 1972. Desta vez, um monstro sagrado da MPB foi descoberto de estalo por Augusto Marzagão, organizador do evento: Milton Nascimento. Com a silenciosa ajuda de Agostinho dos Santos, três músicas dele foram inscritas no FIC - "Travessia", "Maria, Minha Fé" e a lindíssima "Morro Velho".
E até hoje não dá para entender como Milton, com "Travessia", perdeu o primeiro lugar para "Margarida", animada mas pouco criativa música interpretada por Gutemberg Guarabyra e o Grupo Manifesto.
No ano seguinte é que a coisa pegou fogo: o país vivia a repressão da ditadura e alguns artistas já eram perseguidos ora pelos Militares, ora pelo Comando de Caça aos Comunistas, que espancou todos os atores da peça "Roda Viva", encenada por Zé Celso Martinez Corrêa.
O Festival da Record em 1967 já dera mostras do que viria a acontecer nesse tipo de evento. O protesto de Sérgio Ricardo ao quebrar seu violão tornou-se fichinha diante do que a platéia fez com Caetano Veloso & Os Mutantes, quando cantaram "É Proibido Proibir" na eliminatória paulista do FIC.
Furibundo, Caetano desafiou o público, chamou o júri de incompetente, colocou em xeque a desclassificação de "Questão de Ordem", do amigo Gilberto Gil. E se retirou do festival, abrindo a brecha para Geraldo Vandré se tornar a estrela com sua canção-panfletária "Caminhando" (Para Não Dizer Que Falei Das Flores).
O detalhe é que os homens de verde-oliva, azul e branco, ou seja Exército, Aeronáutica e Marinha, jamais permitiriam que uma canção de cunho político vencesse o FIC. E 'recomendaram' a Walter Clark que Vandré não fosse o primeiro colocado.
Sorte da Globo (e dos milicos) que havia dois outros mitos da nossa música, unidos numa belíssima canção: Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o maestro soberano, e Chico Buarque de Hollanda, que aos 24 anos era uma quase unanimidade nacional.
Tom compôs, com arranjo de Eumir Deodato, uma elaborada melodia onde ele e Chico contribuíram com a letra, falando da dor do exílio e da vontade de regressar à terra querida. "Sabiá" era um clássico instantâneo. E interpretado por Cynara e Cibele, do Quarteto em Cy, as chances de vitória seriam grandes.
O problema é que 20 mil vozes em fúria cantaram em uníssono com Vandré a sua música de dois acordes, levada apenas em voz e violão. E com o Maracanãzinho em ebulição, não foi preciso muito quando o júri deu a vitória para "Sabiá" e o cantor paraibano, por mais que tentasse, não aplacou a ira da torcida.
Na reapresentação quando do resultado, Tom foi enterrado vivo junto com sua belíssima canção e as meninas do Quarteto em Cy. Indignado, dirigiu chorando pelo Túnel Rebouças ainda em construção, em meio a uma torrente de dúvidas e palavrões. Foi carinhosamente recebido em sua casa na Lagoa e logo tentaram contato com Chico Buarque, que na época vivia em Roma, para que ele voltasse ao país para a final internacional. Com o parceiro, pensava Tom, ele não se sentiria "o cocô do cavalo do bandido".
A festa pela vitória foi interrompida pela morte do inesquecível Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Mas Chico, ao saber da conquista, imediatamente telegrafou para Tom e confirmou a vinda para o Brasil.
Por incrível que pareça, a canção que fora vaiada de forma implacável na parte brasileira do FIC, desta vez não foi "bombada". E nem haveria de sê-lo. Esse vídeo com imagens raríssimas do evento em 1968 mostra Françoise Hardy em ação; Paul Anka conseguindo o 2º lugar representando o Canadá; e a apresentação de Cynara e Cibele, as campeãs da fase internacional do FIC.
Mudança de comportamento da platéia? Nem sempre... Mudança de opinião? Talvez...
Mas é um mistério que ainda não foi elucidado. Por que uma música tão relevante para a MPB é vaiada num primeiro momento e depois ovacionada pelo público numa outra ocasião?
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