Após o texto publicado com meus pitacos sobre os sambas do Grupo de Acesso, agora vamos aos sambas do Grupo Especial, que é a grande atração do carnaval carioca em 2019.
É uma safra da qual eu gosto, no geral. Tem coisas pavorosas, mas outras realmente excepcionais. Não dá para ignorar as deficiências de alguns sambas e, por outro lado, há que se valorizar vários outros que certamente sairão da Sapucaí com a nota máxima.
O "presidente-vampiro" foi um destaques do surpreendente desfile do Paraíso do Tuitui em 2018. O que será que Jack Vasconcellos nos aprontará neste ano? |
E samba-enredo hoje tem sido um negócio muito sério e definitivo. Tanto que a Beija-Flor, com um grande chão e um visual altamente duvidoso, venceu o carnaval do ano passado - situação que até hoje rende muita polêmica. De repente, pode ser o quesito de desempate - como também não pode.
Tem muita outra coisa que define carnaval, desde o tempo de 1900 e guaraná de rolha - e infelizmente o que temos visto são viradas de mesa que têm diminuído a credibilidade do Carnaval do Rio de Janeiro.
Mas vamos lá... temos 14 escolas, sete em cada dia, trazendo homenagens, temas polêmicos, reedição, galhofa e crítica social. Tem gente no páreo, outras ali na zona da marola, algumas com chance bem razoável de voltar no Sábado das Campeãs e pelo menos uma escola já largaria rebaixada para o Acesso - minha opinião.
Seguem abaixo as agremiações por ordem de apresentação no desfile e não pelo que se ouviu no CD produzido mais uma vez por Laíla e Mário Jorge Bruno, gravado "ao vivo" na Cidade do Samba e mixado e complementado no estúdio Cia. dos Técnicos.
IMPÉRIO SERRANO
Enredo: O que é, o que é?
Carnavalesco: Paulo Menezes
Compositor: Luiz Gonzaga Júnior (Gonzaguinha)
Intérpretes: Silas Leleu e Anderson Paz
Tenho muito carinho pelo Império Serrano. A escola de Madureira é madrinha da minha Imperatriz Leopoldinense. Quando comecei a acompanhar mais a fundo esse negócio de Carnaval e samba-enredo, sempre ouvi falar em Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, o filho deste, Jorginho do Império, Beto Sem Braço e Aluízio Machado. Bambas da maior qualidade.
Não obstante, o último carnaval ganho pela verde e branco de Magno é o histórico "Bum Bum Paticumbum Prugurundum", de 1982. Um senhor samba e um desfile que ficou para a história e na memória.
E eis que para 2019 o Império joga totalmente no lixo sua tradição de 72 anos e vem com a ideia de transformar um clássico da MPB em enredo e, pior, em samba-enredo.
Não seria discutível pegar a música de Gonzaguinha e torná-la o mote do enredo do carnavalesco Paulo Menezes e acredito até nas melhores intenções do artista. Mas, façam-me o favor: aquilo é música popular. Pra ser cantado no jeito de samba-enredo não cabe, não tem métrica de samba-enredo como "Vai passar", de Chico Buarque de Hollanda.
Acompanhei o ensaio técnico do último dia 23 e, embora o componente cante com emoção e fervor - e a bateria tenha dado um sacode, com Mestre Gilmar à frente da competentíssima Sinfônica - não dá pra salvar o que não tem salvação.
Com todo respeito ao Império, até porque o Império merece todo o nosso respeito: vilipendiar a própria história do Carnaval carioca e do próprio samba-enredo e suas raízes imperianas, é demais para o meu gosto.
UNIDOS DO VIRADOURO
Enredo: Viraviradouro
Carnavalesco: Paulo Barros
Compositores: Renan Gêmeo, Bebeto Maneiro, Thiago Carvalhal, Ludson Areia, Júnior Filhão, Raphael Richaid, Ricardo Neves, Carlinhos Viradouro e Rodrigo Gêmeo
Intérprete: Zé Paulo Sierra
De volta ao Grupo Especial, a Unidos do Viradouro retorna com um samba que é a cara dos enredos de Paulo Barros. A letra não diz nada com nada, mas é tremendamente funcional, bem construída, com melodia valente e um grande intérprete - sou fã de Zé Paulo Sierra e falei isso pra ele, pessoalmente, no Baródromo - quando o cantor se apresentou na casa ano passado.
E não só o samba é adequado. A própria Viradouro se preparou muito bem para permanecer no lugar em que muitos dizem que não devia ter saído. Contratou Ciça para comandar uma bateria que tem feito um trabalho excepcional e principalmente um Paulo Barros que retorna à agremiação do Barreto e vem mordido para querer fazer um grande carnaval e mostrar que continua um gênio indomável e por vezes polêmico - deveria, por exemplo, ter ficado calado quando falou que "enredos críticos são modinha". Nada menos exato.
Nos bastidores, dizem que a escola está pronta e que pode voltar ao Sábado das Campeãs. E torço para que volte. Mas o samba-enredo não é daqueles fora de série. A escola pode perder alguns décimos por conta da letra - porém, cabeça de jurado é que nem bunda de neném: você não sabe o que pode sair de dentro dela...
ACADÊMICOS DO GRANDE RIO
Enredo: Quem nunca...? Que atire a primeira pedra
Carnavalescos: Renato e Márcia Lage
Compositores: Moacyr Luz, Cláudio Russo, André Diniz, Licinho Júnior, Elias Bililico e G. Martins
Intérprete: Evandro Malandro
A Grande Rio sambou na cara de quem vive do Carnaval. "Quem tem amigos, tem tudo" - frase do presidente da agremiação de Caxias, quando se negociou a vergonhosa virada de mesa que manteve a tricolor no Grupo Especial.
Para piorar, veio o deboche do título do enredo proposto por Renato Lage e a mulher deste, Márcia, para 2019. Uma tentativa de se redimir do pecado cometido no ano passado na estreia do carnavalesco com o enredo sobre o genial Chacrinha, quando ficaram em penúltimo lugar. E apesar da griffe que carregam Moacyr Luz, Cláudio Russo e André Diniz, o samba deixa a desejar nos argumentos e na proposta.
"Se errei, peço perdão", é um escárnio da letra. A escola errou e feio. Não há quem não negue. "Falam de mim, eu falo de paz". Que paz? Não haveria essa palhaçada toda e não perderíamos tempo criticando a segunda vergonha seguida perpetrada pela LIESA se o regulamento fosse cumprido à risca.
Lamento que o ótimo intérprete Evandro Malandro faça sua merecida estreia no Grupo Especial cantando um samba tão despropositado. A notar que a bateria da Tricolor voltou a ter a mesma qualidade dos tempos de Odilon, comandada pelo novato Fafá.
A Grande Rio poderia voltar aos seus ótimos enredos dos anos 1990, para resgatar alguma simpatia deste escriba aqui. Porque, olha... tá difícil.
ACADÊMICOS DO SALGUEIRO
Enredo: Xangô
Carnavalesco: Alex de Souza
Compositores: Demá Chagas, Marcelo Motta, Renato Galante, Fred Camacho, Getúlio Coelho, Leonardo Gallo, Vanderlei Sena, Francisco Aquino, Guinga do Salgueiro e Ricardo Fernandes
Intérprete: Emerson Dias
Se existe um samba com a cara de uma escola, esse é o do Acadêmicos do Salgueiro. Uma letra bem construída, poderosa, forte e bem ao gosto da nação salgueirense - que viveu momentos de indefinição absoluta no período pré-carnavalesco.
Sai Regina, volta Regina, sai Regina de novo, volta Regina mais uma vez, sai Regina. Definitivamente. E sem Regina Celi Fernandes, talvez a vermelho e branco da Tijuca possa ter paz. A nova diretoria trouxe o casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira que a antiga presidente resolveu botar no olho da rua e, em troca disso, Mestre Marcão, um dos grandes diretores de Bateria do nosso Carnaval, foi demitido. Quinho, intérprete-símbolo do Sal por muitos anos, também afastado pela ex-presidente, voltou para dar mais "molho" ao carro de som.
Outros acertos foram a permanência de Alex de Souza como carnavalesco e a vinda de Emerson Dias a reboque do acerto que manteve a Grande Rio no Grupo Especial. O Salgueiro ganha em peso com um intérprete que finalmente poderá mostrar o que vale cantando um grande samba. Eu gosto da obra de Marcelo Motta e parceiros. Vamos ver se a escola sai da fila que pode chegar a 10 anos...
Em tempo: Xangô é o orixá da Justiça. E em tempos que é preciso se fazer justiça, veremos se haverá uma no resultado final.
Porque em 2018... melhor deixar pra lá.
BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS
Enredo: Quem não viu vai ver... As fábulas do Beija-Flor
Carnavalesco: Comissão de Carnaval (Cid Carvalho, Bianca Behrends, Leo Mídia, Rodrigo Pacheco e Victor Santos)
Compositores: Di Menor BF, Júlio Assis, Kirazinho, Diego Oliveira, Fabinho Ferreira, Diogo Rosa, Dr. Rogério, Carlinho Ousadia, Márcio França, Kaká Kalmão, Jorge Aila e Serginho Aguiar
Intérprete: Neguinho da Beija-Flor
A Beija-Flor chega ao carnaval do seu 70º aniversário com mudanças drásticas em sua estrutura de Carnaval. Laíla e Fransérgio deixaram a escola, rumo a novos desafios. Um mal-parado com Gabriel David, que parece ser o herdeiro de Anísio Abrahão David na hierarquia nilopolitana, pode trazer sérias consequências para o desfile de 2019.
Começaram mal com a escolha do samba. Na verdade, anunciaram um que em princípio parecia perfeito. Depois, a direção da agremiação decidiu por um "Frankenstein" enfiando partes de um dos sambas derrotados na final - piorando a obra que seria aquela que impulsionaria os 75 minutos de desfile da 'Deusa da Passarela'.
E é um samba aquém do que se imaginava para se falar de sete décadas "do Beija-Flor", como diz o título do enredo e como disse Neguinho da Beija-Flor ao abrir o samba de 1976 com um "Olha o Beija-Flor aí, meu povo". Logo na primeira estrofe, já fala em humildade - algo que falta não só à escola como aos seus próprios componentes - que são fieis xiitas e apaixonados, justiça seja feita. Foi até pelo chão e pela comunidade que venceram - injustamente - o desfile de 2018.
Como letra, não gosto. Acho fraco. Um dos piores da safra. Poderia ser bem mais descritivo das histórias e tradições da Beija-Flor.
IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE
Enredo: Me dá um dinheiro aí!
Carnavalescos: Mário Monteiro e Kaká Monteiro
Compositores: Elymar Santos, Márcio Pessi, Jorge Arthur, Maninho do Ponto, Júlio Alves e Dudu Miller
Intérprete: Arthur Franco
Era uma vez uma sinopse terrível, cortesia de uma ideia de enredo desproposital para as tradições da Imperatriz Leopoldinense, que gerou uma eliminatória e uma safra abaixo da crítica e um samba apontado como um dos piores do ano pelos críticos e eu, gresilense fanático, torci muito o nariz.
Quando você olha a letra de um samba que tem entre seus compositores alguns dos campeões de 2018 e nada mais nada menos que Elymar Santos, um apaixonado pela GRESIL, você até pode pensar... 'eles podiam ter feito melhor'. Sim, sem dúvida, se a sinopse tivesse ajudado.
Mas o Carnaval nos traz coisas que só o imaginário popular pode nos proporcionar. Fui alertado de que o bicho poderia não ser tão feio quanto se imaginava. E eu imaginava a Rainha de Ramos como séria candidata ao rebaixamento.
Só que muitos outros sambas trash como este da Imperatriz (não tão pior quanto a nefasta obra de 1988 e o ridículo samba do Bacalhau, registre-se) tornam-se audíveis, palatáveis e até gostosos de ouvir - depois que você se acostuma com ele e o teu viés de avaliação muda.
Pela galhofa, pela sacanagem do refrão dúbio no meio ("Troca troca ê... na beira da praia")... afinal, Carnaval não é alegria e galhofa? Pois a Imperatriz vem diferente, muito diferente de suas tradições.
E eu vi uma Imperatriz animada, alegre, feliz e descompromissada no ensaio do último sábado. Não só com um samba na ponta da língua, como a bateria está espetacular. A Swing da Leopoldina chega ao desfile em forma absurda. Mestre Lolo está de parabéns com o trabalho de reconstrução de um ponto crucial de um desfile, na parte melódica e de harmonia musical. Se fizer o dever de casa, sai com quatro notas máximas.
UNIDOS DA TIJUCA
Enredo: Cada macaco no seu galho. Ó meu pai, me dê o pão que eu não morro de fome!
Carnavalesco: Comissão de Carnaval (Laíla, Fransérgio, Annik Salmon, Hélcio Paim e Marcus Paulo)
Compositores: Márcio André, Júlio Alves, Daniel Katar, Diego Moura, Dr. Jairo, Nêgo, Elias Lopes e Júnior Trindade
Intérprete: Wantuir
Mais um grande samba da safra 2019. Fruto da vinda de Laíla para a escola do Borel, quase quatro décadas após sua primeira passagem pela agremiação. E uma obra que emula - demais - muitos dos sambas ouvidos e depois vistos na avenida apresentados pela Beija-Flor. Foi a impressão que tive na primeira audição - e muitas outras me fizeram ter essa certeza.
É um samba denso, de melodia pesada, mas que eu adoro. Acho emocionante, bonito - do início ao fim - e com uma belíssima melodia. Depois de toda a polêmica da virada de mesa de 2017 e do resultado digno do ano passado (7º lugar), a Unidos da Tijuca vem com toda a força para brigar pelo título.
Outro destaque é o retorno do ótimo Wantuir ao carro de som da escola e o intérprete foi muito bem na gravação da obra tijucana, que tem entre seus compositores o excepcional cantor Nêgo, irmão de Neguinho da Beija-Flor.
SÃO CLEMENTE
Enredo: E o samba sambou
Carnavalesco: Jorge Silveira
Compositores: Mais Velho, Helinho 107, Nino, Chocolate e Alceu Maia
Intérpretes: Leozinho Nunes e Bruno Ribas
Única a apostar numa reedição para a safra de 2019 do Grupo Especial, a São Clemente luta pela permanência na elite do Carnaval carioca tendo na obra de 1990 o seu grande trunfo.
Na época, com o título "E o samba sambou...?" do enredo, a nação clementiana pisou forte na Marquês de Sapucaí e o samba assinado por Mais Velho, Helinho 107, Chocolate, Nino e o grande cavaquinista e arranjador Alceu Maia, pegou na veia. Surpreendeu pela crítica ácida e absolutamente pertinente à estrutura de carnaval que tínhamos - o Império já fizera o mesmo em 1982 - e ainda temos.
Muito embora pareça uma crítica datada para uns, para outros - e para mim - continua soando como algo pertinente. Resta ver se o carnavalesco Jorge Silveira dará o seu recado na concepção da proposta. O samba é imortal. Pra mim, um dos melhores da história da São Clemente, que precisa trazer de volta à avenida o seu status quo de escola irreverente, ousada e crítica, que tanto faz falta à festa.
UNIDOS DE VILA ISABEL
Enredo: Em nome do pai, do filho e dos Santos, a Vila canta a cidade de Pedro
Carnavalesco: Edson Pereira
Compositores: Evandro Bocão, André Diniz, Professor Wladimir, Marcelo Valência, Júlio Alves, Deco Augusto e Ivan Ribeiro
Intérprete: Tinga
Enredo CEP que o Povo do Samba traz para 2019 exaltando Petrópolis, com um samba apenas de razoável para bom. E olha que estamos falando de uma obra que é assinada por craques como André Diniz e Evandro Bocão - que acabou mexida desde as eliminatórias e a final e piorou depois das modificações.
Mas cabe esperar pelo trabalho de barracão que será feito pelo excelente Edson Pereira, que já mostrou seu valor em carnavais muito bons no Grupo de Acesso (Série A) e já trabalhou como assistente de Alexandre Louzada na Mocidade. Com uma estrutura hoje sólida financeiramente, a Vila está tranquila no que diz respeito à sua estrutura de desfile - tanto que até trouxe de volta o intérprete Tinga, que defendia a Unidos da Tijuca.
A bateria Swingueira de Noel, agora sob o comando de Macaco Branco, após a polêmica passagem de Chuvisco pela azul e branco, parece também retomar a velha forma. A conferir no desfile principal.
PORTELA
Enredo: Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá
Carnavalesca: Rosa Magalhães
Compositores: Jorge do Batuke, Waltinho Botafogo, Rogério Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, José Carlos, Zé Miranda, D' Sousa e Araguaci
Intérprete: Gilsinho
Clara Nunes finalmente é enredo da escola do coração, que a abraçou quando começou a decolar na carreira, no início dos anos 1970. Trinta e seis anos depois da morte de uma das maiores cantoras que este país teve a oportunidade de conhecer, a "Sabiá" será cantada pela Portela com toda devoção e emoção no Carnaval de 2019.
Tenho certeza que os portelenses sentem cheiro de gol e a chance é grande, naquele que pode ser o último carnaval de Rosa Magalhães na Marquês de Sapucaí (aliás, independentemente de título ou não, a artista está fora da escola em 2020). O samba de Jorge do Batuke e parceiros ganhou a quadra desde as primeiras eliminatórias e era a chamada "pule de 10", não tinha como perder e não perdeu na final.
Ouvi o samba pela primeira vez após a vitória, cantado por Zé Paulo Sierra no Baródromo - e eu adorei a entonação do refrão ao fim da segunda (parte), que lembrava o jeito que Clara Nunes cantava o samba "Guerreira" ("Sou a mineira guerreira, filha de Ogum com Iansã..."). Na voz do intérprete oficial, Gilsinho, o tom adotado foi mais de emoção, mais pra cima. Faz parte...
E é um samba que tem como característica a descrição em primeira pessoa, e que é a cara da Portela, como "Xangô" é a cara do Salgueiro - embora eu saiba que muitos torçam o nariz pra ele. Paciência...
Eu sou suspeito: amo de paixão a cantora Clara Nunes e minha mãe é portelense. Na falta de chances da Imperatriz, torço pelo título da Portela.
UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR
Enredo: A peleja poética entre Rachel e Alencar no avarandado do céu
Carnavalesco: Severo Luzardo
Compositores: Myngal, Marcelão da Ilha, Roger Linhares, Marinho, Cap. Barreto, Eli Doutor, Fernando Nicola e Marco Moreno
Intérprete: Ito Melodia
Muitos são críticos ao samba da União da Ilha, apontando-o disparadamente como o pior entre os inéditos, descontando o samba que não é samba do Império Serrano (acho os de Grande Rio e Beija-Flor ainda piores). Outros apontam o dedo para as escolhas da própria agremiação, que muitos dizem não saber mais escolher direito suas obras que vão para a avenida.
E num ano difícil e com alguns excelentes sambas, realmente a Ilha foi aquém de suas possibilidades. A proposta de enredo do carnavalesco Severo Luzardo é muito boa - e é um achado homenagear o Ceará puxando pelo lado poético e cultural, falando em Rachel de Queiroz e José de Alencar, ícones do estado nordestino. Mas... não foi brindado infelizmente com um grande samba.
Só que a Ilha tão criticada surpreendeu positivamente ao escriba aqui no ensaio técnico. Vi uma escola cantando forte o samba, que treinou animada e com uma bateria simplesmente espetacular. A Baterilha fez um belíssimo trabalho e está de parabéns. Mas notei também uma queda nos setores finais, que até pode ser encarada como natural - mas que pode ser um complicador para quem é apontada como uma das possíveis candidatas a rebaixamento.
PARAÍSO DO TUIUTI
Entedo: O Salvador da Pátria
Carnavalesco: Jack Vasconcelos
Compositores: Cláudio Russo, Moacyr Luz, Aníbal, Zezé e Jurandir
Intérpretes: Celsinho Mody e Grazzi Brasil
Disposta a mostrar que o vice-campeonato do Grupo Especial no ano passado, após um desfile tão emocionante quanto sensacional e surpreendente, a Paraíso do Tuiuti quer pisar na avenida para mais uma vez dar o seu recado na Sapucaí.
Novamente Jack Vasconcelos propõe um enredo panfletário com obra encomendada e assinada por Cláudio Russo e Moacyr Luz. Não chega a ter o mesmo brilhantismo do samba de 2018, mas é igualmente excelente, empolgante, pega na veia e pelo visto o Tuiuti vem de novo meter o dedo em feridas que insistem em se manter abertas.
E eu vejo um ponto muito positivo no crescimento da escola de São Cristóvão, que é a afirmação da excelente cantora Grazzi Brasil como intérprete de avenida e de Celsinho Mody. Foi um achado a permanência de ambos em detrimento do discutível Nino do Milênio - e há quem diga que um dia a Grazzi vai ser intérprete principal sozinha. Será?
O que muito se discute do enredo e do samba é que o Bode Ioiô, eleito vereador em 1922 no Ceará e chamado de "O Salvador da Pátria" seja uma metáfora para se citar o ex-presidente Lula, do mesmo modo que a novela global que teve Lima Duarte interpretando o inesquecível boia-fria Sassá Mutema, foi apontada como panfletária e pró-Lula às vésperas da eleição presidencial de 1989.
Críticas e alusões a parte, temos tudo para assistir a mais um grande desfile do Tuiuti.
ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA
Enredo: Histórias para ninar gente grande
Carnavalesco: Leandro Vieira
Compositores: Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Márcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino
Intérprete: Marquinho Art'Samba
Leandro Vieira é um gênio do Carnaval do Rio de Janeiro. Quem presta atenção em suas propostas recentes de enredo já teve a dimensão exata do que ele tem feito em termos de trabalhos estéticos, alegóricos e, principalmente, de propor discussões.
O que o enredo da Mangueira nos traz para 2019 é a desconstrução de alguns mitos da história do país. Virando os livros pelo avesso, o Leandro nos aponta os reais heróis e heroínas de um país tão carente e que, cultural, política e sociologicamente, passa por um dos períodos mais nefastos dos últimos tempos.
O samba composto por Deivid Domênico e parceiros é uma porrada. Me emocionou de saída na gravação da demo com a doce menina Cacá, que estava (ou está, já que não assisto) no The Voice Kids, da RGT ao lado do Wantuir. Já era dentre as obras que concorriam nas 14 escolas do Especial, a mais falada e comentada. Ganhou a disputa e caiu no gosto dos bambas. No Baródromo, a cada vez que é executado pelo Grupo Arquibancada, é urrado por todos os presentes na casa sediada na Lapa.
Enfim... se os sambas-enredo tivessem a mesma penetração midiática que já tiveram nos anos 1980 - e a própria LIESA tem culpa no cartório, assim como as próprias escolas - a Mangueira seria pule de dez entre as mais ouvidas não só no Rio como no Brasil inteiro.
O Carnaval precisa de mais cabeças como a de Leandro Vieira. Precisa de mais sambas como o da Mangueira. Pra nos fazer acordar e ver que os livros de história nem sempre apontam a verdade e muito menos nos dizem quem foram aqueles que lutaram para que o Brasil existisse. Que nesse período de trevas, a Velha Manga nos traga luz, nos emocione e nos faça crer que o samba ainda pulsa nas nossas veias como um instrumento de protesto e comoção social.
MOCIDADE INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL
Enredo: Eu sou o tempo. Tempo é vida
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Compositores: Jefinho Rodrigues, Diego Nicolau, Marquinho Índio, Jonas Marques, Richard Valença, Roni Pit Stop, Orlando Ambrosio, Cabeça do Ajax
Intérprete: Wander Pires
Elza Soares, que será enredo da verde e branco de Padre Miguel em 2020, com seu timbre característico, apesar dos seus 88 anos vividos e sofridos, abre a faixa da última escola que desfilará na Sapucaí em 2019, fechando o Grupo Especial. É um bonito samba o eleito pela Mocidade, composto por Jefinho Rodrigues e parceiros. Mas confesso que gosto muito mais dos dois últimos, em especial o do título dividido de forma polêmica com a Portela ano retrasado.
A agremiação da Zona Oeste renasceu após tempos difíceis, flertando com o Grupo de Acesso, e parece disposta a repetir os bons carnavais dos últimos dois anos. Mas a Mocidade esbarra num problema: se a Mangueira for o rolo compressor que se aguarda, a tendência é que a expectativa pelo carnaval que será mais uma vez concebido por Alexandre Louzada, pode diminuir assim como a presença de público na Sapucaí.
Só que a escola tem, além de um belo samba, um dos cinco melhores do ano - no meu gosto pessoal - quesitos capazes de fazê-la brigar lá na frente. Se a bateria "Não existe mais quente" for bem julgada e os responsáveis pelas notas estiverem de bom humor, só na parte relativa à música, a chance é grande de 80 pontos. Aí temos que ver como vem a parte estética e a Mocidade era uma das escolas mais atrasadas de barracão. Mas Louzada garante que tudo estará pronto a contento e acho que veremos um belo espetáculo de encerramento do desfile deste ano.