sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Carnaval 2019 - os sambas do Grupo de Acesso

Ano passado, a campeã do Grupo de Acesso foi a Unidos do Viradouro. Quem será a vencedora em 2019? A parada é difícil, pois há bons sambas. Mas o momento de crise pelo qual passa o carnaval pode refletir nos desfiles

Muito tempo depois da última atualização, o Saco de Gatos ressurge com uma postagem sobre Carnaval.

Pois é... muitos podem não gostar da folia momesca. Mas eu gosto. É uma das maiores manifestações de arte e cultura deste país. E muito embora venha sendo vilipendiada e maltratada, principalmente pela prefeitura neopentecostal do pífio Marcelo Crivella, a festa aqui no Rio de Janeiro ainda atrai turistas e visibilidade para a outrora Cidade Maravilhosa.

E em tempos onde o Carnaval e o samba-enredo como gênero musical estão de mal com o Brasil e com o povo do Rio de Janeiro, cada vez mais sectário, medíocre, bitolado e atrasado, o gênero agoniza, mas não morre.

A safra de 2019 no Grupo de Acesso (Série A) que desfila em dois dias, no início de março, nos traz enredos alentados, obras muito boas e uma reedição patrocinada pela volta da Unidos da Ponte à Marquês de Sapucaí.

Sem perda de tempo, seguem abaixo as 13 agremiações que vão lutar por uma vaga no Grupo Especial para o Carnaval de 2020, por ordem de apresentação na Marquês de Sapucaí - e não na ordem do CD mais uma vez produzido por Leonardo Bessa.

UNIDOS DA PONTE
Enredo: Oferendas
Carnavalescos: Guilherme Diniz e Rodrigo Marques
Compositor: Jorginho
Intérpretes: Lico Monteiro e Tiganá

Campeã do Grupo B em 2018 na Intendente Magalhães, a Unidos da Ponte aposta num dos grandes sambas de sua alentada safra dos anos 1980 para permanecer na Marquês de Sapucaí, onde chegou a figurar por muito tempo na Elite e no Grupo de Acesso. "Oferendas" foi a obra do desfile de 1984 onde, mesmo com a escola rebaixada ao então Grupo 1-B, o samba agradou por sua excepcional cadência na oportunidade.

Contudo, a gravação não está à altura do que se (ou)viu com Grilo na condução do samba de Jorginho. Por mais que Tiganá e Lico Monteiro se esforcem - com direito a um alusivo longuíssimo - a versão 2019 é menos inspirada do que a original, embora houvesse uma tentativa de deixar a obra o mais próxima possível em termos de cadência. Sobre o samba como um todo, não é necessária qualquer avaliação, já que é uma reedição. É nele em que a Ponte e a turma de São João de Meriti se agarra para permanecer mais um ano na Série A.

ALEGRIA DA ZONA SUL
Enredo: Saravá, Umbanda!
Carnavalesco: Marco Antônio Falleiros
Compositores: Márcio André, Neyzinho do Cavaco, Lopita 77, Ribeirinho, Elson Ramires, Beto Rocha, Telmo Augusto, Fábio Xavier, China, Girão e Samir Trindade
Intérprete: Igor Vianna

A agremiação que congrega as comunidades do Cantagalo e Pavão/Pavãozinho segue, apesar de algumas dificuldades, firme na Série A com boas posições nos últimos desfiles. A expectativa é que a Alegria da Zona Sul mantenha os mesmos objetivos, embora a obra para 2019 não tenha a mesma qualidade que o samba do último desfile, que rendeu à escola um bom 8º lugar.

O samba de Márcio André, Samir Trindade e cia., com direito à participação de integrantes de parcerias vencedoras noutras agremiações em carnavais passados, é apenas regular - há quem diga que animado demais para falar de Umbanda. Sobre a interpretação, sem comentários adicionais: Igor Vianna está muito à vontade na gravação da faixa.

ACADÊMICOS DA ROCINHA
Enredo: Bananas Para o Preconceito
Carnavalesco: Júnior Pernambucano
Compositores: Cláudio Russo, Diego Nicolau, Renato Galante, Kirrazinho, Ralf e Fadico
Intérprete: Ciganerey

Um tema sempre necessário e atual no Carnaval, o preconceito é abordado com muita propriedade na proposta de enredo de Júnior Pernambucano para o carnaval da Acadêmicos da Rocinha. Muito oportuno também, por conta de tudo o que vivemos e viveremos no futuro. Melhor pular essa parte para não entrar numa seara, digamos, nebulosa...

Apesar de bons momentos indiscutíveis, especialmente na primeira estrofe e no refrão principal, o samba de craques como Cláudio Russo e Diego Nicolau é bom - porém, um pouco distante de outros que considero superiores. Num primeiro momento, achava esse samba da Borboleta um dos melhores para o ano de 2019, mas a cada audição, mudei de opinião. Com o reforço de Ciganerey (um tanto quanto contido na gravação), dispensado pela Mangueira, no carro de som, veremos como a Rocinha se sairá neste carnaval.

ACADÊMICOS DE SANTA CRUZ
Enredo: Ruth de Souza - Senhora Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós
Carnavalesco: Cahê Rodrigues
Compositores: Samir Trindade, Elson Ramirez e Júnior Fionda
Intérprete: Roninho (Participação Especial: Xande de Pilares)

A Santa Cruz não tinha enredo, não tinha samba, não tinha nada. Isso até o fim do primeiro semestre de 2018. Em agosto, veio o anúncio da chegada do carnavalesco Cahê Rodrigues, que sugeriu um enredo sobre a atriz Ruth de Souza, uma das primeiras negras a subir no palco do Teatro Municipal para a encenação de "Imperador Jones", de Eugene O'Neill, em 1945.

A carioca de 97 anos recebe da escola da Zona Oeste uma homenagem à altura de sua carreira. Aliás, para o meu conceito, o melhor samba do Grupo de Acesso - mesmo sendo encomendado à Samir Trindade, Elson Ramirez e Júnior Fionda, a toque de caixa.

De rica trajetória no teatro, cinema e televisão, a Dama Negra é homenageada com um samba de formato tradicional e de letra excepcional, com momentos emocionantes e uma referência ao enredo "Heróis da Resistência", apresentado pela agremiação nos anos 1990. Roninho divide a ótima gravação com Xande de Pilares, que acabou convidado pelo presidente Zezo para dar mais um 'molho' a um samba que tem tudo para acontecer na Sapucaí.

O problema é justamente este: a enorme expectativa se transformar em decepção, diante do histórico de más colocações nos recentes desfiles da escola.

UNIDOS DE PADRE MIGUEL
Enredo: Qualquer Semelhança Não Terá Sido Mera Coincidência
Carnavalesco: João Victor Araújo
Compositores: Jefinho Rodrigues, Igor Leal, Jonas Marques, Wagner Santos, Gulle, Eli Penteado, Roni Pit Stop e Ruth Labre
Intérprete: Pixulé

"Qualquer Semelhança Terá Sido Mera Coincidência": quem nunca, ao final das novelas da Rede Globo, nunca leu algo semelhante nos créditos finais da maioria dos folhetins apresentados pela referida emissora carioca por muito tempo?

Pois é... a Unidos de Padre Miguel, cansada de bater na trave nos últimos anos, aposta numa bem-sacada homenagem a Dias Gomes, para buscar o sonhado título rumo ao Grupo Especial em 2020. A agremiação da Vila Vintém tem um bom samba de Jefinho Rodrigues e parceiros para tentar superar as outras 12 escolas concorrentes - muito embora a melodia seja muito parecida com as obras dos últimos dois anos.

É preciso fazer justiça, principalmente, que a letra cita personagens e obras do dramaturgo baiano sem apelar a clichês e lugares-comuns, como o samba em que sua primeira mulher, Janete Clair, foi homenageada pelo Leão de Nova Iguaçu em 1992. E principalmente que a letra casou de forma perfeita com o momento atual vivido neste país. Basta prestar atenção na mensagem passada pelos compositores e pelo enredo.

Um samba forte, não tão à altura da obra-prima apresentada em 2017, mas que pode muito bem levar a UPM ao tão esperado "final feliz" do refrão.

INOCENTES DE BELFORD ROXO
Enredo: O Frasco do Bandoleiro (baseado num causo com a boca na botija)
Carnavalesco: Marcus Ferreira
Compositores: André Diniz e Cláudio Russo
Intérprete: Nino do Milênio

Este é uma incógnita entre os sambas da safra de 2019. Carrega a assinatura de André Diniz e Cláudio Russo, com a escola da Baixada Fluminense recorrendo a (mais uma) obra encomendada.

Mas apesar da grife, não gosto. Princpalmente por conta do intérprete. Nino do Milênio é muito, muito chato. Perdoem-me quem gosta do referido cantor, mas eu não consigo gostar. No Tuiuti, ano passado, foi simplesmente engolido no desfile principal pelos demais integrantes do carro de som. Logo após o Desfile das Campeãs, foi preterido por Grazzi Brasil e Celsinho Moddy.

E em seu retorno à escola, não consegue dar um destaque maior a um samba confuso, de melodia estranha. Se a Inocentes chegar perto do 4º lugar alcançado em 2018, parabéns.

ACADÊMICOS DO SOSSEGO
Enredo: Não Se Meta Com Minha Fé, Acredito em Quem Quiser
Carnavalesco: Leandro Valente
Compositores: Felipe Filósofo, Orlando Ambrosio, Michel do Alto, Sergio Joca, Fabio Borges, Serginho Rocco, W. Motta, Ademir Ribeiro, Diego Tavares, Mário da Vila, Gilmar Silva e Lucas Donato
Intérpretes: Guto e Juliana Pagung

Quantidade nem sempre significa qualidade e muito menos excelência em samba-enredo. Para a obra de 2019, a Acadêmicos do Sossego - que se salvou do rebaixamento por conta de outra virada de mesa - conta com nada menos que 12 compositores de uma das obras mais fracas do ano.

Acho válida a tentativa de fazer alguma coisa diferente em termos de estrutura de letra. Ano passado, o bom samba "Ritualis" não tinha verbo. O deste ano não tem rima. Mas até aí, morreu o neves: "Raízes", clássico da Vila Isabel de 1987, que tinha Martinho da Vila na parceria, também usou deste recurso e foi muito mais bem sucedido que a parceria encabeçada por Felipe Filósofo e por Lucas Donato, sobrinho do saudoso Roberto Ribeiro.

Até que o novato Guto, egresso do carnaval de Nova Friburgo e Juliana Pagung, guindada do carro de som da Mocidade Independente de Padre Miguel, não comprometem. Mas a obra da escola do Largo da Batalha, em Niterói, soa irregular e um tanto quanto estranha.

Por falar na Sossego, a escola já apresentou sua parcela de polêmica para o carnaval 2019. Ela apresentará uma alegoria de um demônio com traços que lembram muito o prefeito carioca Marcelo Crivella. 

Qualquer semelhança...

UNIDOS DE BANGU
Enredo: Do Ventre da Terra, Raízes Para o Mundo
Carnavalescos: Alex de Oliveira e Edson Pereira
Compositores: Samir Trindade, André Kaballa, Márcio de Deus, Wellington Amaro, Paulinho Ferreira, Henrique Costa, Fabio Fonseca, Fabio Martins, Neizinho, Julio Assis, Marlon P. e Vinícius Sombra
Intérpretes: Tem-Tem Jr. e Luis Oliveira

Após se segurar na Sapucaí para o carnaval de 2019, a Unidos de Bangu abrirá o desfile do sábado com outro samba que também deixa um pouco a desejar na safra da Série A. O enredo já não ajuda muito, embora a escola da Zona Oeste até esteja bem servida de carnavalescos. Mas quando o tema é a... batata (!), fica difícil defender.

Daí a sinopse não ajuda muito e a obra, que conta com 12 compositores - igualzinho à Sossego - não diz nada com nada. Será uma tarefa árdua para os banguenses e principalmente para os novatos intérpretes Tem-Tem Jr. e Luis Oliveira, que até deram o seu melhor num samba muito bem gravado no CD. Mas no geral, é uma obra abaixo da maioria.

RENASCER DE JACAREPAGUÁ
Enredo: Dois de Fevereiro no Rio Vermelho
Carnavalescos: Raphael Torres e Alexandre Rangel
Compositores: Moacyr Luz, Cláudio Russo e Diego Nicolau
Intérprete: Diego Nicolau

Sexto ano de sambas encomendados à dupla Moacyr Luz/Cláudio Russo, desta vez com Diego Nicolau participando da composição - e o resultado não poderia ser outro: mais uma obra espetacular para a Renascer de Jacarepaguá desfilar na Marquês de Sapucaí.

Enredos sobre Bahia normalmente são repletos de clichês, mas - por mais que alguns deles estejam aqui presentes, o samba é muito bom. Tem ótimos refrães e um meio de primeira parte realmente muito bonito e inspirado, na referência à Gabriela. E Diego Nicolau dá um show na gravação, na melhor performance de qualquer intérprete neste disco.

Obra propícia para a excelente bateria da Renascer deitar e rolar na avenida.

ESTÁCIO DE SÁ
Enredo: A Fé Que Emerge das Águas
Carnavalesco: Tarcísio Zanon
Compositores: Alexandre Naval, Edson Marinho, Tinga, Jorge Xavier, Luiz Sapatinho, Cláudio, Álvaro Roberto, Alexandre Moraes, Hugo Bruno e Júlio Alves
Intérprete: Serginho do Porto

Samba de excelente sinopse de autoria de Daniel Targueta, a obra estaciana para 2019 pode ser uma das boas surpresas do desfile. Inspirado na festa do Cristo Negro do Panamá, o enredo do carnavalesco Tarcísio Zanon ganhou uma obra que a princípio parecia resvalar no meio-termo, mas que com as devidas mudanças cresceu e ficou muito interessante.

Apesar dos clichês religiosos, tem belíssimos momentos - sem contar a boa interpretação de Serginho do Porto. Resta ver se no retorno de Mestre Chuvisco à frente da bateria da agremiação vermelha e branca, se o samba terá a sustentação de ritmo e cadência necessários para ser bem defendido pelos componentes e entendido pelo público na avenida.

UNIDOS DO PORTO DA PEDRA
Enredo: Antônio Pitanga, Um Negro em Movimento
Carnavalesco: Jaime Cezário
Compositores: Bira, Claudinho Guimarães, Duda SG, Márcio Rangel, Alexandre Vilela, Guilherme Andrade, Adelyr, Bruno Soares, Rafael Raçudo, Paulo Borges, Oscar Bessa e Eric Costa
Intérprete: Luizinho Andanças

A Porto da Pedra foi protagonista de um dos maiores equívocos para o carnaval 2019. Tudo porque a agremiação de São Gonçalo abriu mão da obra apresentada pela parceria de Altay Veloso, Zé Glória e Paulo César Feital, que disparadamente era não só o melhor samba do Grupo de Acesso como também de todo o carnaval do Rio de Janeiro para este ano.

E até parecia favas contadas no anúncio do enredo que o samba seria este, pois houve o rumor que não haveria disputa. O homenageado Antônio Pitanga deixou-se fotografar com Feital e Altay no lançamento do enredo, mas a diretoria da Porto da Pedra decidiu pelas eliminatórias. E na final, a surpresa: foi escolhida a obra de Bira, Claudinho Guimarães e parceiros.

Num primeiro momento, até gostei do samba vencedor - muito bem defendido por Evandro Malandro na demo (aliás e a propósito), mas depois de muitas outras audições com o intérprete Luizinho Andanças, já não me agrada tanto.

Em termos de impacto e importância, o samba derrotado era disparado muito, mas muito melhor. Enfim... veremos na apuração o desfecho dessa escolha.

IMPÉRIO DA TIJUCA
Enredo: Império do Café, o Vale da Esperança!
Carnavalesco: Jorge Caribé
Compositores: Diego Nicolau, Tinga, Pixulé, Jota e Braguinha Cromadinho
Intérprete: Daniel Silva

Samba com grife - tem Tinga, Pixulé e Diego Nicolau na parceria - acaba sendo outra das boas surpresas da safra de 2019.

Para falar da saga do Vale do Café, formada por 15 municípios do Rio de Janeiro, apela para as referências um tanto quanto batidas do trabalho escravo dos negros africanos - o que não pode ser omitido - mas a composição guarda belos momentos e dois ótimos refrães.

Desnecessária a "lacração" ao falar de agronegócio na última frase da segunda parte. Mas no geral, é uma obra muito agradável. E Daniel Silva é um dos cantores da nova geração que me agrada bastante com seu timbre grave bem característico.

ACADÊMICOS DO CUBANGO
Enredo: Igbá Cubango - A Alma das Coisas e a Arte dos Milagres
Carnavalescos: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Compositores: Robson Ramos, Sardinha, Duda Tonon, Anderson Lemos, Altinho, Sérgio Careca, Carlão do Caranguejo e Samir Trindade
Intérprete: Thiago Brito

O fechamento do desfile de 2019 promete muita emoção. A Acadêmicos do Cubango nos oferta mais um belo enredo à altura das tradições da verde e branco de Niterói, com referências a sortilégios, milagres, amuletos e fé - de temática afro e com uma merecida homenagem ao lendário enredo "Afoxé", campeão do carnaval niteroiense há 40 anos.

Gozado que no começo não gostei muito da gravação - não pela presença do intérprete Thiago Brito, muito pelo contrário - mas da produção em si. Não a achei à altura da obra num primeiro momento. E desgostei um pouco do samba quando vi que a segunda parte da letra (praticamente toda), bem como alguns outros trechos, fora clamorosamente mexida em relação à obra original de Sardinha e parceiros, gravada na demo por Tinga e Diego Nicolau.

Mas é aquela história: você escuta, uma, duas, cinco, dez vezes, e passa a gostar do samba. E ele realmente é bom, muito bom. Se pegar na avenida, pode ser um "sacode" para quem sabe conduzir Cubango ao desfile principal, que nunca a escola visitou - o oposto da Viradouro, que já foi inclusive campeã em 1997.

E um pequeno aparte: guardem os nomes dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Os dois já fizeram ano passado um excepcional trabalho no enredo alusivo a Arthur Bispo do Rosário. Daqui a pouco, vai ter escola do Especial disputando os dois a tapa.


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