Antes de mais nada, peço desculpas por não conseguir atualizar o blog no fim de semana. Não tenho laptop e estava em São Paulo curtindo momentos que ficaram na memória - e que prometo compartilhar quando as fotos chegarem. Se preparem porque é um post muito bacana.
O fim de semana em Interlagos não foi emocionante apenas dentro da pista. Fora dela também, conversando com muitos aficionados que compartilham a mesma paixão - o automobilismo. Tive o privilégio de ganhar no livro de Jan Balder uma dedicatória do próprio.
Ganhei também o livro "O Boto do Reno", do Flávio Gomes. Mas como ele ficou mascarado com o pódio do DKW #96 na Super Classic, não o encontrei e por isso não ganhei a dedicatória. Fica para uma próxima.
Enfim... o que me leva a vir aqui nesta madrugada é que, em dado momento da conversa, numa das muitas rodas de bate-papo que se formaram ao longo da manhã de sábado em Interlagos, veio uma questão que martelava a cabeça de um dos presentes.
"Qual era o único carro 'não-Polar' no começo da Fórmula 2 Brasil? Era amarelo, tinha o patrocínio das Casas Pernambucanas..." Caiu a ficha. Era o Cianciaruso-Passat, construído pelo Salvador Cianciaruso pro seu piloto, José Luis Bastos, disputar o campeonato de 1981.
A Fórmula 2 Brasil foi criada naquele ano para cobrir a brecha da Fórmula Volkswagen 1600 (a Supervê), extinta em 1980 porque a montadora alemã retirara-se das pistas. Os pilotos foram à luta e conseguiram reunir 18 carros para a primeira prova do ano, em 21 de abril no autódromo de Brasília.
Lembro que assisti a corrida com narração de Fernando Gomes e comentários do falecido Giu Ferreira. O vencedor foi Antônio Castro Prado, ainda com seu Polar pintado com a mesma programação visual do título de 80, mas sem nenhum patrocínio. Na época, os carros corriam com pneus nacionais Maggion e a preparação já era bastante liberada. Os motores boxer já superavam 150 HP em 1981.
Dárcio dos Santos, tio do piloto de F-1 Rubens Barrichello, ganhou a prova de Interlagos e a categoria viajou para o Rio para a terceira corrida.
Esta eu assisti
in loco das arquibancadas.
Lembro de alguns detalhes que não saem da memória. O Chico Feoli com seu lindo carro, parecendo o Ralt-Toyota da F-3 inglesa; Adu Celso, que corria com um Polar-Passat, demorando pelo menos duas voltas pra largar; o Walter Caravaggi sem aerofólio traseiro em seu Polar #33; o Polar-Fiat Turbo do Élcio Pellegrini, um fracasso; a pintura do carro de Marco De Sordi, escandalosamente inspirada no Brabham de Nelson Piquet; e a inesperada vitória de Vital Machado, fruto da falta de combustível no carro do virtual vencedor, Castro Prado.
Pradinho voltou à carga e venceu em Goiânia. Àquela altura, com dois triunfos, um segundo e um terceiro, ele tinha 28 pontos e com duas ou três vitórias a mais, levaria a taça antecipadamente. Ele era um piloto muito bom e também experimentou o automobilismo europeu em 1975, andando com um March-BMW de F-2 antes de retornar para o Brasil.
Mas havia a promessa de um novo carro, capaz de superar o decantado domínio do Polar. E eis que ele surgiu em Cascavel, por obra e graça de Pedro Muffato. O carro era o Berta argentino, projeto do mago de Alta Gracia, Oreste Berta, cujos direitos de fabricação foram adquiridos por Pedro no Brasil. E com ele, Muffato deu show em casa até quebrar. Prado venceu e disparou na liderança.
Aí veio a etapa de Guaporé. E o inesperado baixou no circo da F-2 Brasil. Uma irresponsabilidade de alguns pilotos, que entraram na pista com as atividades já encerradas, provocou a morte do líder do campeonato. Pradinho quis dar umas duas ou três voltas só para
sentir o carro depois da classificação - onde tinha feito a pole. Nem macacão colocou - entrou de camiseta e bermuda mesmo dentro do
cockpit. Colocou o capacete e em vez de sair por uma outra parte dos boxes, resolveu ir pela saída normal mesmo - e que estava fechada com uma cancela de eucalipto.
Resultado: como a visibilidade de qualquer objeto é difícil na horizontal, Pradinho não viu a cancela e entrou com tudo. Morreu em razão dos graves ferimentos na cabeça.
Sob profunda tristeza, a corrida mesmo assim aconteceu e Alfredo Guaraná Menezes venceu. Uma semana depois, em Tarumã, ainda atordoados, os pilotos deram mais um belo espetáculo e Pedro Muffato conquistou, enfim, a vitória do
carro biônico, como a imprensa chamava o já batizado Muffatão.
Em Interlagos, na penúltima etapa, Arthur Bragantini sentou no bólido de Castro Prado e nas 12 voltas da corrida, mostrou que o monoposto ainda continuava muito competitivo. E sem o antigo líder, a disputa pelo título ficou acirrada e aconteceria entre Dárcio dos Santos, Vital Machado e Alfredo Guaraná Menezes.
Com muitos pilotos fora de qualquer possibilidade, apenas 13 carros alinharam para a última prova do ano, no Rio de Janeiro. Entre eles, um segundo Muffatão-Passat, preparado por Dino de Leoni para o gaúcho Chico Feoli.
Guaraná fez a pole position e durante toda a prova recebeu enorme pressão de Vital Machado, que caso conseguisse a ultrapassagem levaria o título. Na última volta, os dois bateram e quase saíram no tapa. Guaraná alegou que o pescador não levava o combustível para o motor e que o rival se precipitara. Pura desculpa esfarrapada, já que Marcos Troncon, testando pneus Pirelli em seu Polar, assistiu de camarote a cena e culpou o antigo bicampeão da Fórmula Volkswagen pelo acidente.
A vitória foi de Chico Feoli, com Dárcio dos Santos em segundo e Daniel de Souza (por onde andaria?) em terceiro. Na vistoria técnica, porém, o Muffatão-Passat de Feoli foi protestado pela equipe de Dárcio. E na
canetada, foi desclassificado por um comissário técnico porque a bomba d'água era de Fiat e não da Volkswagen - na verdade isso fazia parte de um acordo entre Pedro Muffato e o comissário técnico Bruno Brunetti. Só que no Rio o comissário-chefe se chamava Manolo...
Guaraná foi excluído assim como o companheiro de equipe Aldo Pugliese. E isso deu o título a Dárcio dos Santos. Porém, em decisão tomada dois anos depois, a CBA revogou a desclassificação, dando de novo os pontos da vitória a Chico Feoli - o segundo lugar de Dárcio foi o resultado que efetivamente deixou Guaraná como o campeão brasileiro de 1981.
Depois deste ano confuso e tumultuado, a categoria ainda sobreviveu por mais três anos - e isso graças ao pretenso intercâmbio com os argentinos, que tinham motores e carros muito superiores aos nossos, mesmo usando pneus Fliter, de qualidade inferior aos Pirelli que passaram a equipar nossos carros em 82.
Nesse ano, Leonel Friedrich veio engrossar as fileiras da categoria, que teve outro gaúcho, Ronaldo Ely como campeão. Também entrou na categoria o chassi Heve, construído por Herculano e Antônio Ferreirinha. Com este carro, Marcos Troncon levantou o caneco de 1983. E já com o grid minguando a cada dia, Cézar
Bocão Pegoraro foi o último campeão da F-2 Brasil.
Com a extinção do certame nacional, os poucos que se dispuseram a investir ainda levaram surras dos pilotos argentinos por dois anos até que em 87, com a criação da Fórmula 3 sul-americana, Leonel Friedrich lavou a alma e foi campeão. E por uma equipe argentina, diga-se.
Mas isto já é outra história...